terça-feira, 6 de setembro de 2016

Apodrecido

É muito fácil morrer .
difícil mesmo é manter-se entre os vivos .
É muito fácil digladiar-se .
difícil mesmo é baixar a voz .
É muito fácil observar o outro 
e dificílimo olhar-se no espelho .
O espelho mostra o quão somos
hediondos
egoístas
arrogantes
estúpidos
ignorantes
bossais
diabólicos
neuróticos
enganadores de si mesmos .
Assim como Narciso
amamos a imagem
daquilo que não somos
e nos afogamos
nessa paixão
pelo ser perfeito
que nunca
existiu
existe
existirá .
E a aguá cristalina reflete
a ilusão do ser
perfeitamente lindo por fora
e apodrecido por dentro .
Língua


A pior guerra é aquela
travada por nós mesmos
A pior mácula é criada
por nós mesmos
Palavras ferinas
saem de nossas bocas
Desferimos sons e
ruídos tenebrosos
O sangue ferve
envenenando o corpo
O coração desmancha-se
em lavas incandescentes
Os outros são os outros ...
As nuvens escurecem
a alma
As águas turvas
afogam as emoções
Ouvimos só sons
de trovões
Grilhões ferem a
fraca carne fraca .
A alma é opaca
O pior punhal tem
uma forma
pontuda
tenra
e úmida
A língua
fere
esfola
degola .
E a vida se esvai
não flui .
E tudo se acaba
antes do fim .
Enfim somos apenas
aquilo que somos .
Somos o tudo
repleto de nada .
E o nada nos preenche
a nula existência divina .


Adriana Noronha