domingo, 23 de dezembro de 2018

" Uma certa vez no novenário de Nossa Senhora de Fátima, havia a confissão comunitária, mamãe foi a pedido da Nancy tua madrinha irmã da Adélia, quando chegou na presença do padre, esse falou, conte seus pecados e ela sem jeito que não sabia por onde começar, pois seriam a mesma quantidade de areia que havia no quintal dela. O padre perguntou quantos filhos ela teve e quando ela falou 14, ele olhou pra ela e disse; seus pecados estão todos perdoados! E ela olhando para o padre que na época era D. Aldo Pagôto por sinal muito belo lhe disse, padre já vou sair daqui pecando porquê eu estou encantada com sua beleza."
E aproximou-se o mês de Maria, a Trezena de Fátima, a mamãe juntava a fila de treze filhos e filhas, oito meninos cinco meninas, ás cinco da tarde tudim limpim, pois a caminhada era grande lá do Benfica pro Bairro de Fátima, e íamos fazendo zig zag, pelas ruas do Benfica até chegar no Santuário de Nossa Senhora de Fátima.
E Fortaleza se enchia de um vento mágico, as pessoas pareciam mais felizes, os ônibus lotados, o vai e vem dos romeiros, romeiras, moçoilas lindas em seus vestidos bordados para a ocasião de fé e amor a Fatima.
A mamãe seguia à frente com sua roupa de linho engomado, e cheirando a Contouré e sabonete Viol, as moças de Alma de Flores, os rapazes de Garrão, as crianças de lavanda, e o papai sempre como coadjuvante, usava Rastro, e nas mãos o terço, velas e flores, essas últimas arrancadas dos jardins das casas que estavam no correr do nosso caminho de fé.
A mamãe não se virava para conferir a fila, pois quem se perdesse ,se fosse achado ainda levaria a surra prometida, os pequenos ansiavam pelo algodão doce, as moças pelas maçãs do AMOR, compradas por seus paqueras que se infiltravam nessa trupe, com a desculpa de irem também a trezena rezar, e a nossa fé aumentava , quando nos aproximávamos daquela multidão pacífica, que só aumentava no correr dos dias, e lá estavam a ala rica da Tia Bibisa que vestia seu lindo vestido de laise brocada e engomada, sua prole sempre mais autiva .... Nós ficávamos perto do papai, ele era lindo na sua calça de tergal .
E lá a tia Maria do Carmo também de linho, acho que era pra competir, tinha jeito não a mamãe era a mais bonita.
Ei, e a trezena ?
E os cantos nos arrepiava a pele, e o clamor invadia nossos corações e ali naquele momento, éramos mesmo uma grande família.
E Deus ali, nos abraçava, e nos dava forças para querer estarmos ali, no ano seguinte.
Ave, ave ,ave Maria,
Ave, ave, ave maria,
E todas as nossas Marias...
Maria Luiza
Maria do Carmo
Maria Justa.
Viravam Santas, nossas Santas mães...
Naquela procissão que de tão gigante quase não pisávamos no chão sagrado daquela Linda Igreja, hoje Santuário de Fátima.
E a Treze de Maio no céu aparece a Virgem Maria .
E assim crescemos com as graças alcançadas, de ainda sermos e pertencermos a essa grande família.

sábado, 22 de dezembro de 2018

Carapinima

A menina de uma prole de quatorze filhos era a número treze, sendo assim quase caçula, filha de mãe dominadora era quase nula dentro daquela casa, pois haviam outras quatro moças mais bonitas, não sabia ela, que era tão bonita quanto.
Sua maior sorte, o Colégio de Freiras que tinha a mais fina flor do High Society da capital Alencarina, portanto a menina frequentava só bons lugares, farda impecável, suas meias brancas ornadas no belo sapato de verniz preto, e assim ela saia da sua clausura e flanava nas vias asfaltadas que a levavam ao colégio.
Sua casa ficava na Carapinima, era filha do melhor mecânico do Benfica, o famoso Seu Brasil, mas sua mãe megera dizia que mecânico era a pior raça que existia, apesar de ter um lindo pai, moreno, alto, cabelos negros, corpo esguio e semblante de artista Hollywoodiano, sempre que indagada pela profissão do pai, falava que era engenheiro mecânico, e assim seguia sua vida de semi princesa de província tupuniquim.
E num belo dia uma colega lhe ofereceu carona, e ela prontamente recusou.
Obrigado, para vocês é contra mão.
Faço questão ! Disse o lindo irmão de Valdimary.
Pronto e agora ?
Mas vocês moram no bairro de Fátima !
E eu na avenida da Universidade
Não tem problema, desço a Imperador, sigo pela Carapinima, passo por baixo do viaduto de cimento da José Bastos, dobro na Padre Cícero passado pelo viaduto do trilho, faço a volta e pego a avenida da Universidade...
Quando dei por mim estava, no Corcel II azul celeste, eitha vou passar em frente de casa, e assim foi, no cruzamento da Treze de Maio a Carapinima...
Posso descer aqui.
De jeito nenhum, moça direita se entrega na porta.
No rádio sintonizado na Verdinha, tocava Conversation do Morris, e o lindo rapaz a me olhar pelo espelho,me deixava rubra de rosa, foram instantes de magia, ô minino lindo.
Passamos em frente a Motoclinica, acordei do transe, quando indagada pelo endereço, passamos a Antenor Frota Vanderlei, falei, vá devagar, e pare nessa casa rosa ciclame...
Desci e fiquei ao portão, agradeci, e aguardei a arrancada do Corcel, dei um aceno em agradecimento,e ufa...
E me recompus do sonho cor de rosa e segui para casa, apenas uns cem metros me separavam daquela maravilhosa casa, de propriedade o Dr. Roberto que levava seu Ford Maverik V8, pro papai dá um trato de primeira...
E Hoje já crescida, constatei que o melhor lugar do Mundo, é a casa que vovô morou, que meu pai herdou e deixou pra nós, e o seu Brasil o melhor mecânico do Benfica formou, enfermeiras, professores, professoras e doutoras consertando carros de pobres homens ricos.
Seu Brasil tenho o maior orgulho de ter nascido sua filha,e lá se vão quarenta anos e sempre que posso volto ao nosso quintal encantado, que tem até palmeira imperial.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Tudo outra vez

O tempo veio, o tempo foi, me fez crescer, e pra longe me levou, um dia a saudade me empurrou de volta.
Ei, eu vou ali.
Vou fazer meu coração pulsar alegre, vou lá no Ceará...
E fui.
Mas ao chegar eu vi a minha casa no chão, a casa em que cresci , lá na Carapinima, cheguei tarde e não deu tempo de pegar um pedaço sequer do reboco ou um caco de telha, ela ruiu,não achei nada mais não.
Onde ficaram as panelas,
as cadeiras,o baú da vovó,
os livros e a nossa Enciclopédia,
e as minhas bonecas de pano,
a lata da farinha, do feijão,
o fogão,
e a mesa gigante onde a mamãe nos serviu o leite e o pão,
o pé de jambo ,
o cajueiro,
a azeitoneira onde subia todas as noites a sonambular,
os pés de coqueiros que sustentavam as roupas da meninada no nosso imenso e colorido varal ?
Meu Deus, cadê eu, minhas irmãs e meus irmãos !
A oficina do Seu Brasil !
Senti um calafrio e calei , mas queria mesmo era gritar,berrar.
Então só fiz chorar, e minha ausência lamentar.
Um algoz chamado progresso em forma de metrô matou o trem do Otávio Bonfim e engoliu vorazmente um micro mundo em beneficio do mundo macro .
Mas posso reconstruir tudo outra vez ,
a algaravia e as arengas da meninada,
o cheiro delicioso do café, do leite e do cuscuz que vinha da cozinha,
os latidos misturados aos miados dos gatos ,
ouvir, Menina da ladeira na radiola,
ver o florescer das papoulas,
subir e arrancar as frutas das árvores ,
ouvir o som do sino da igreja de Nossa Senhora dos Remédios a nos chamar a rezar .
As brincadeiras de roda,o pega pega,
as estórias de terror contadas no escuro do quintal ,
a vela acesa dentro da lata ,
o balanço no cajueiro indo e vindo ,
o coral do ronco de todos a dormir ,
o terço gigante pendurado na parede ,
o presépio, a arvore enfeitada com algodão.
E o melhor de tudo andar pela nossa casa de paredes alvas e cheias de desenhos infantis pueris ,
,roubar as garrafas de cajuína que curtiam no telhado,
entrar pelas portas sem ferrolhos pois nada ficava trancado.
Eu fecho os olhos e colho tudo de bom que lá existiu ,
felicidade assim nunca se viu ,
minha vida não se perdeu e tudo que vivi foi o que valeu ,
e lá no Benfica, eu começaria tudo outra vez ...

Adriana Noronha .