Por uma vez em minha vida, fui feliz,fui alegre, fui plena.
Por uma vez em minha vida eu vivia.
E naquele lugar encantado, a minha vida fluía.
Eu tinha o papai, a mamãe eterna megera, meus nove irmãos, que eram apenas oito, o outro estava no céu mas era amado do mesmo tanto e minhas quatro irmãs, dez gatos, dez cachorros.
Mais de uma dezena de coqueiros, uma azeitoneira gigante e frondosa, muitas flores, eram grenás, ciclame, vermelho sangue ,rosadas e brancas, um gramado verdim, minha vida era assim...
Nosso lugar encantado fica entre duas avenidas de grande fluxo, num vai e vem frenético de carros e transeuntes apressados,mas ali vivíamos extasiados com nosso alegre viver, estávamos guardados das maldades do mundo.
Nossa piscina era um grande buraco cavado no chão.
Nosso balanço no cajueiro chegava quase perto do avião.
Nossos brinquedos eram feitos pelas mãos mágicas do Seu Brasil,carros e bicicletas com pneus de aço.
Pois enquanto ele trabalhava, butava sintido no som que faziam nossos brinquedos barulhentos, se o som sumia ele assobiava e a gente voltava.
Enquanto isso a megera seguia na sua árdua lida, de alimentar sua matilha, num fogão engenhoso feito de ferro, alimentado com pó de serraria, uma engenhoca que ninguém mais possuía.
E na sua gastronômica alquimia, surgiam cheiros e sabores que invadiam os outros lares e lugares...
Havia todo dia uma grande contenda,sorrateiramente o papai saia flutuando da oficina até a cozinha, e com seu caneco de alumio brilhoso, roubava o melhor caldo de feijão, e sumia feito um gatuno feliz.
Fransquim !
Gritava a megera...
Todo dia era assim nossa doce quimera.
Ao meio dia muita gente falando, pratos enfeitados de flores e laços,depois ficavam cheios de comida feita nas panelas gigantes, muitas colheres, mas éramos obrigados a comer de garfo, etiqueta para dias futuros, dias duros de pobres adultos crescidos.
Depois todos se espalhavam de novo e iam construir seus destinos ou desatinos, pré escola, ginásio, científico, faculdade, quartel.
E a vida corria, o tempo corria, as nuvens passavam, a chuva vinha, o calor voltava, e a gente crescia e não via e o relógio de carrilhão não parava, continuava a empurrar o tempo...
O tempo veio trouxe o vento, e o tempo e o vento afora nos lançou, nos espalhou, uns pra perto ,outros juntos, outros longe, duas que se separam para todo o sempre, coisas da vida de adultos crescidos e dementes.
O preferido Deus levou, o papai demorou mas também foi, o Locinha nos foi tirado, e a mamãe passou para a poderosa o seu fardo, e ela tenta nos manter juntos no nosso lugar encantado.
Por uma vez em minha vida, voltarei ao meu lar, ao meu lugar, mas isso vai demorar, pois preciso me reciclar, e voltar a ser o que fui, pois a vida transformou-me num SER HUMANO LIXO, na verdedeira materialização do Demônio.
Mas isso aconteceu num sonho, hediondo sonho, e lá vou ter que achar o caminho de volta, vou voltar a cantar no Coral da Santa Missa na TV, minha mãe vai me assistir, vou refazer minha Primeira Comunhão, vou buscar tudo que possui, vou me encontrar de novo com todos aqueles que vivi nos bons tempos nos tempos bons.