segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Enegrecer 

É no silêncio ensurdecedor da noite ,
que minha consciência desperta ...
E naquela imensidão escura ,
me vejo dentro de mim mesma !
Olho ao redor e visualizo tudo aquilo que
não fui , não sou e nem nunca serei .
Sempre caminho no vazio de minhas lembranças
pálidas , opacas e muito vazias ...
Sinto que serei assim , meio , metade , porção ,
fração , partida , subtraída , dividida .
Nunca um inteiro , sempre um parte de um todo ,
um pedaço ...
Só um passo .
E assim vou passando pelos caminhos ,
sem ver a relva , pisando na pedra lisa e escorregadia ...
Caminho sem ver o dia , pois nada lá havia , e o Sol se
esconde , para não ver aquilo que não sinto .
E pra mim eu minto , omito , engano , profano minha
vontade de viver ...
E minha noite esvai-se ao primeiro raio do Sol , então
lá vou eu arrastar-me durante o dia .
E ver no crepúsculo de novo o começo do meu viver e
vem a noite minha alma enegrecer ...


Adriana Noronha 
Existir 

Os acordes de minha vida , eram assim 
coloridos de gente , muita gente ao meu redor ..
As moças tão lindas em suas fardas colegiais , saias de pregas 
blusinhas branquinhas , sapatos de boneca . 
Saiam às ruas exalando seu charme , enebriando com sua beleza
os tolos garotos .
Os rapazes com porte de atletas , musculosos , lindos , em suas
fardas de soldados rasos , encantavam a todas que os vissem ...
E lá em casa o papai na oficina , inventando suas máquinas um
verdadeiro professor Pardal ...
E na cozinha um cheiro de vida , um aroma de felicidade com um
vapor de dedicação , daquela que fazia mágica ao fogão ...
E eu corria , pulava , nadava , amava , amava um Mundo todo meu , e aos domingos a casa entupia , tudo era alegria .
Mas de repente veio a noite , e mais um dia , eu crescia , e aquilo tudo sumia ...
O povo cresceu , o quintal emudeceu , e não mais amanheceu ...
E aqui me encontro , minha saudade e eu ...
Então vou à antiga vitrola , For once in my life , vou sonhar , com as
mesmas meninas , os mesmos rapazes .
Papai e mamãe ...
E para sempre bebo um pouco do elixir , que vai me fazer para sempre EXISTIR ...

Adriana Noronha 

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Duas

Eu consigo ser duas , posso partir-me realmente
em duas .
Sou bonita , mas por dentro carrego a feiura que
que assombra  .
Sorrio pra voce , estando por dentro num pântano ,
aos prantos .
Tenho negros cabelos longos , mas por baixo são
tosados e esbranquiçados .
Me mostro forte ,  robusta , rosada , mas tenho uma tênue
alma , fraca e morta .
Mostro-me culta e muito perspicaz , mas  ignoro
as coisas da vida .
Eu demonstro meu amor , escondido no mais puro
rancor .
Sou fiel até o momento em que traio ...
Se eu entro , vejo tudo , não enxergo nada e logo
saio .
Mesmo no meio de uma multidão sinto-me completamente
sozinha .
Então deixa-me aqui mergulhada no meu paradoxal
Mundo .
Mundo ou fundo ou fundo Mundo , sei lá !
Deixa assim como esta , pois mesmo estando
eu não sei se estou realmente cá ...
Deixa eu ir com o vento , só ele sabe levar pra
longe meus lamentos .
Eu não acredito na vida , e nem a vida acredita
em minha nula existência .
Sou duas e tenho a certeza que nunca serei
nenhuma ...

Adriana Noronha

EU e VOCE 

Deixa o mar acalmar .
E que numa maré prateada tu volte 
pra mim , 
pra nós , 
para a nossa família ...
Lembra da nossa trilha ?
Tu e eu , eu e tu , nós dois , escondidos na relva 
mergulhados no Rio ...
Correndo sob a chuva , quando por vezes chovia , mas sempre
de mãos dadas ao Sol .
Dois mundos unidos num só mundo , um mundo encantado ,
um encantado mundo chamado
família .
Não somos dois mundos em vida separadas ...
Cadê voce ?
Cadê ?
Quanto vale o amor ?
Quanto vai valer eu e voce ?
Vem !
Não vamos nos esquecer .
Vem de novo ser , somente
Eu e VOCE .

Adriana Noronha
Castanha

O dia amanhecia quente
e a meninada saia da rede
sorrateiramente .
Corria ao quintal e lá nos esperava 
o frondoso cajueiro ,
pintado nas cores da felicidade .
O Locinha subia balançava os galhos e derrubava os cajus ,
sem querer , mas querendo
em cima de nossas cabeças ...
E nos fartávamos até inchar a barriga .
As castanhas viravam brasas em nossa fogueira pueril
mexia pra lá ,
mexia pra cá ,
o fogo pulava e agente
saltitava pra não se queimar .
E assim nossa vida fluía , e a criançada ficava
toda emborralhada por causa da castanha queimada .
Mãos pretas ,
caras pretas ,
dentes pretos
e nossa vida muito ,
muito colorida .

Adriana Noronha
Eita, já já tá pronto! 
De novo não 

Não !
De novo não ...
Que aquela cortina negra não desça de novo sobre 
nós .
Não vamos esquecer o que fomos .
Não vamos esquecer o que somos ...
Não vamos separar as estradas , eu grito aos ventos 
que o meu amor é teu , e o teu amor é meu eu , não sou eu sem 
voce , voce não é tu sem mim .
Uma metade de sou se foi , tu é a metade que ficou ...
Se fores deixarei de existir ,
eu rogo , imploro , não me deixes aqui !
São dois corações , duros , vorazes , orgulhosos , firmes ,
é , mais são também dois corações irmãos ...
Tu nem me abraçou , não olhou para traz , somente se foi
e foi assim que fiquei ...
Capengando e tropeçando nas pedras pontiagudas do nosso
orgulho que estão espalhadas no chão ...
Deixa passar a dor , deixa morrer o rancor , e vem , vem e me
dê sua mão ...
Pois somos irmãos ...

Adriana Noronha
Um lá , outro cá

Numa parede cravado , firme e forte
ele aguarda a rede que vem .
E assim segura firmemente o peso de alguém ,
cansado da lida , 
cansado da vida dura
ou da dura vida .
E o vento adentra e inventa a magia de embalar
os sonhos ...
Um par de armador , um lá outro cá , e unidos pela
rede , conseguem acalmar o mais atormentado coração .
A rede vai , a rede vem , e o mundo é desligado , o mundo
fica renovado ...
Dois artefatos separados , ligados por uma rede , que transforma-se
numa tênue linha entre o concreto e o encantado .
E aquela porta do tempo abre-se e zomba das mazelas da vida e o dia
azul do verão , vem em nuvens de paz .
E assim vem o sossego ,
o sono ,
os sonhos
e voltamos a sermos
eternas crianças
que imaginam estarem
no doce colo da mãe .

Adriana Noronha
Coisas do meu Sertão...

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Sorte

Ela engana o próprio
tempo .
Se esconde dos
ventos .
Faz adormecer o
destino .
E volta a fazer aquilo que por eras sem fim ,
sempre o fez .
Zomba da morte , pois tem uma coisa infinita
chamada sorte .
Aprisiona aqueles a quem ama num Rosário de
cristal .
Reza e os protege de todo o mal ...
E assim sua vida segue , e ao seu lado sua prole se
ergue .
E o tempo se rói de inveja , daquela criatura que não o
teme .
Pois ela teima em viver ...
E lá no fundo ela é uma eterna criança , que talvez não soube
amadurecer ...
Vida longa aquelas que te fazem todos os caprichos , os mimos ,
e vontades .
E assim a vida vai ,
a vida vem ,
a vida volta e
tu estais ali
firme
rente
e forte .
Para nós essa é a maior sorte .

Adriana Noronha

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Mil anos passaram , e estarei aqui escondida no tempo ,
solta ao vento .
Sempre em busca daquilo que fomos , daquilo que hoje não
mais somos .
Sumimos no tempo , fomos levadas pelo vento , e não pudemos
nos agarrar a nada .
Pois não havia um cisco sequer , daquela grande arvore da qual
fomos fruto .
Da arvore da qual fomos geradas ...
Hoje só há o luto .
E eu perdi a alegria de um dia lutar por ti ...
Tua mão é o açoite , e minha esperança virou noite ,
escura e fria .
Mas tu bem que podia , mas não o fez .
Então passou a vez .
Cadê voce , cadê ?
Mais mil anos viram , e é assim que nossos corações estarão , em
duas vidas separadas .
Daquilo que um dia fomos ...
Hoje não resta mais nada
Vai , segue em paz .
Não olha para traz .
Ai nada tem e
aqui não tem mais nada .

Adriana Noronha
Lá ...

" Na tempestade , passam os medos e ficam as esperanças embaixo de cada fio de cabelo . "
" Diante de nossa beleza , os ventos uivam . "
De que é feita a coragem de viver ?
Na beleza dos poucos anos , desconhecemos o que gira o Mundo ,
desconhecemos o que o Mundo gira .
E o tempo vem , o tempo vai , vem ´e volta em fios de cabelos
brancos .
Em fios de brancos cabelos ...
De que me vale viver , se sei que hei de um dia morrer , se capengo
entre as pessoas vivas ...
O que serei entre os mortos ?
Verei tua face oh Deus !
Levarei comigo a Lua !
Levarei o clarão do Sol .
O cheiro salgado do mar .
Roubarei um pouco do ar .
Na mão um punhado da Terra que me viu nascer .
Só não poderei morrer de amor .
Pois morrendo , talvez eu o encontre lá .
Lá , uma palavra tão pequena , mas tão infinitamente
distante ...
Lá adiante .
Lá em casa .
Lá onde nasci .
Mas sei que vou pra , Lá não sei onde .
Então deixa eu ficar Lá ...
Lá bem dentro de mim .
Lá onde os meus ventos uivam .
Lá longe ...

Adriana Noronha
Cadê o amor ?

Eu mergulhei no mais fundo de mim ,
tentei descobrir o que sou .
Nadei nas profundezas de minha alma louca ,
de minha louca alma .
Vi o bem acorrentado , a vaidade solta , o afago cortado
em dois .
Deixei o perdão pra olhar depois , nadei mais fundo , bem
mais fundo e vi o meu MUNDO .
Cadê o amor ?
Cadê ?
Meu coração apagou , brotou no seu lugar a razão ,
e aquela medonha visão da vida , apareceu .
E tudo que era alegria , transformou-se no breu , o que uniu dois corações , morreu .
Não somos mais voce e eu , eu e voce não somos mais , um muro entre nós se ergueu .
Nossas estradas não vão mais se encontrar ...
Tentei voltar sair daquele lugar .
Cadê o amor ?
Cadê ?
Sei lá !
Procurei dentro de mim e ele não esta lá .
Dizem que o amor é paz !
Então estarei sempre em guerra , sempre em guerra estarei
contra eu mesma .
Então não posso morrer de amor e nem por
amor perdoar .

Adriana Noronha

sábado, 1 de fevereiro de 2014

 Surrealismo

As janelas de minha vida
não me mostram o Mundo .
Só vejo o surrealismo ...
Do Sol que não nasce
da Lua que não brilha .
Do oceano morto , petrificado
de florestas vermelhas , incandescentes .
Do vento que não sopra
dos pássaros sem asas .
De rebanhos de homens acorrentados
em sua existência nula e vil .


Adriana Noronha Foto: Surrealismo

As janelas de minha vida

não me mostram o Mundo .

Só vejo o surrealismo ...

Do Sol que não nasce

da Lua que não brilha .

Do oceano morto , petrificado

de florestas vermelhas , incandescentes .

Do vento que não sopra

dos pássarros sem asas .

De rebanhos de homens acorrentados

em sua existência nula e vil .

Adriana Noronha
Objetos

Objetos
para mim , são eles flores
talvez feitos de arco-íris cinzentos
céu sem nuvens ..
Objeto é o meu pensamento .
Existem até aqueles que dão
prazer .
Objeto esqueci como se usar ,
eu como , objeto ,
devo não prestar .
Pesadelo

Meu Deus o que seria de mim ?
Se não existissem meus sonhos ?
Eu posso ser musa e as vezes
Medusa .
Eu posso ser forte sendo
muito fraca .
Ser bonita , mas por dentro muito
feia .
Posso ser franca mesmo sabendo
ser mentirosa .
Mergulho nas águas cheias de sal ,
 e sinto cheiro de mel .
Chego a ver Deus estando muito
perto do Diabo .
Então clareia o dia e me vejo acordada
no pesadelo que é a vida ...
 Confusão

Pedaços de vida
que tentamos reunir ,
Brinquedos abandonados
roupas antigas no velho baú .
Um cachorro que uiva ao longe
uma panela de ferro ,
pilão de pedra , cheiro de paçoca ,
cajus , sapotis .
Mesa grande e farta
muita gente , algaravia  , deleite .
barulho ...
Hoje !
Silêncio , solidão .
Para onde foi ?
Aquela doce confusão ...
Decifrar 

De que adianta
eu fazer um poema ...
Se escrevo o que vem
de dentro de mim .
E ao ler você
não entende nada !
E quando entende
não é o que escrevi .
Então rasgo , amasso
lanço ao lixo ...
Um pedaço de mim
que nem eu mesmo  consegui
decifrar ...