quinta-feira, 30 de março de 2017

Sem ponto final



Quero escrever outras historias ,
num livro de brancas paginas ...
Devo esquecer minhas memorias ?
De repente lanço meu lápis no papel e ele guia
minha mão , desenha minha letra já desenhada e vai , desliza ,vira , volta, pára e solta o verbo ,
o adjetivo ,
muitos substantivos ,
uma vírgula vem ,
dois pontos também ,
assim eu vou , aliás , levada sou ...
Passo perto de minha infância , uma casinha minúscula ,
numa Vila estreita ,
depois um casarão ,
um enorme quintal ,
muitas roupas coloridas no varal ,
e sempre o eterno fogão
cheio de panelas e aromas ,
muita fruta que cai no chão ,
muitas almas , pantomias e assombração .
Muita gente, algaravia, confusão , meninos , meninas , bicicletas , colégio , natação , mar , quartel , carnaval , São João , dia de finados , natal ...
Ah o Natal !
O tão esperado natal , peru , vinho , árvore , presentes , e sempre alguém longe , ausente , muito melancólico , missa do galo , casa cheia de gente , cheia de nós !
Até que todos crescem , o primogênito acorda morto em pleno natal , Deus errou o alvo , nada mais foi igual ...
E assim a vida segue , se vai o pai , mais um é ceifado , e mudam-se os reis , elas tomam as rédeas , seguram o nosso Mundo como Atlas , e nos erguem outra vez , agora é das mulheres a vez ...
E o lápis me engana , eu não tenho historias , só tenho memórias,
de um tempo perdido ,
solto ao vento ,
e não lamento ,
pois viveria tudo outra vez ,
faria do mesmo jeitinho ,
entraria de novo no mesmo ninho .
Mesma casa , mesma mãe , mesmo pai , e os mesmos treze irmãos , seria aquela feliz menina , e continuaria a ser assim por todo o breve longo tempo de minha vida terrena ...
E as reticências me acompanhariam doravante e o ponto final nunca apareceria , e assim para sempre seria ...
E nunca sairia do nosso quintal encantado .
e nunca sairia do nosso encantado quintal .


Adriana Noronha

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Alguém que já sentou na lua.