quarta-feira, 19 de setembro de 2018


TOMO I


Ela tinha tudo, tudo que um adolescente da época poderia possuir...
Casa cheia de gente, um pai calado que só trabalhava, mas sempre calado, uma mãe cheia de energia, altivez, coragem e acima de tudo orgulho, três irmãs, sete irmãos, um colégio gigantesco, uma piscina olímpica, a Federação das Bandeirantes do Brasil, um curso britânico,o mar,as ondas, a casa na serra, muitos cachorros, dez gatos, uma amiga perfeita de pele branquinha,longos cabelos negros e olhos verdemente verdes, freiras, terço, retiro espiritual, coral na Santa Missa na TV nas manhãs de domingo, um gigante quintal,semana santa, quadrilha e natal,ações de beneficência,uma biblioteca, e também inteligência.
Mas o vento soprou, e pra longe a levou, estrada de chão,calhambeque e baldiação, semi árido, lugar inóspito, nem mar, nem piscina, um "açude" de sal, pessoas alheias, era tudo diferente,na vida daquela menina,lá um irmão, e uma irmã que não lembrava mais não, um algoz sua maior provação, e o seu estímulo em sobreviver, para poder um dia renascer e voltar a viver...
Ela poderia sonhar, e sempre voltar lá, mas suas noites eram dantescas, sombrias,uma sombra que andava na escuridão, passos silenciosos, ligeiros,hálito de dragão, olhos de fogo, alma maligna,uma verdadeira aberração, mas seu terço italiano sempre à mão.
Sentia saudade de seu velho irmão,e falta dos outros que ficavam em seu coração, falta das irmãs que lhes proporcionavam tudo de bom, do lápis ao batom.
Puxa vida, que vida!
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TOMO II



sexta-feira, 14 de setembro de 2018

O dia amanheceu assim , meio propício ao colorido, e o vuco vuco, das moças lá do Benfica começou cedo, ao som na radiola ,o cantor falava de uma menina que mora na ladeira, aqui nem tem ladeira, ah, isso era só um detalhe, e a música seguia, mas elas, as moças do Benfica nem a ouviam, pois o alvoroço seria por conta da compras de fim de ano, e o seu Brasil havia liberado uma grana bacana para as indumentárias da ceia de natal, e lá se foram elas...
O ônibus parecia mais o expresso do Oriente, aquele da Ágatha, em seus vestidos de cinturas marcadas elas seguiam rumo ao centro, Casa Blanca, Casa da Bordadeira, Casas Pernambucanas, Romcy, A Esquisita, e as lojas de aviamentos mas sortidas, e os tecidos eram escolhidos com muito cuidado e sem pressa, Laise, linhos, brim, opala, sianinhas, fitas, gorgurão, botões, lá vem mamãe, colchetes,,linhas, muitas linhas.
A do meio sugeria, que um pastel com caldo de cana, cairia bem, uma parada na Leão do Sul, e na placa dizia: a zeitona do pastel tem carroço, e lá os rapazes se apraziam em olhares fortuitos direcionados àquelas moças bonitas e prendadas do Benfica.
E de volta a odisséia, lá iam elas cheias de pacotes, embrulhos, sacolas, e no coração a ilusão de vestir os irmãos e a caçula de príncipes e princesas, e nocaminho de volta o contentamento e os planos, de botar a máquina da mamãe para acelerar suas emoçoes.
O dia exaustivo, merecia o descanso, e na noite tranquila, o silencio foi quebrado por uma seresta, onde o rapaz cantava, " você abusou, tirou partido de mim abusou", a luz acendeu e as moças saíram à janela, a lua iluminava a Carapinima, que rendeu-se aos encantos do amor juvenil...
No dia seguinte elas formaram o pelotão dos irmãos, medindo ganchos, pernas, cinturas, mangas ,ombros, e eles deveriam ficar ali em banho maria, à disposição das modelistas, brim nos macacões dos meninos sapatos Bamba, calças boca de sino, sapatos de plataformas e de verniz para os rapazes, vestidos de golas de bico inglês, mangas bufantes, para a menina, sapatos de boneca e meias alvinhas.
Nos vestidos das moças do Benfica, bordados finos, nervuras, anáguas finas, fitas de cetim, e cinturas bem marcadas, decotes comportados,tons pasteis.
E assim crescemos ao redor daquelas que assumiram os afazeres da casa, ajudando a Maria Justa a criar os treze filhos, naquele universo, onde as mulheres comandavam todos e tudo.
E a máquina do tempo, não pode mais costurar aquelas roupas fantásticas e cheias de magia, que um dia nos embalou os sonhos, o sonho de sermos sempre unidos naquelas linhas, traçadas na máquina da união fraterna...

domingo, 9 de setembro de 2018

A menina que era feliz naquele encantado lugar, cresceu numa família gigante e naquele tempo unida.
A menina que morava lá no Benfica, brincava à sombra dos coqueirais, e descansava embaixo da frondosa azeitoneira, árvore que lhe acompanhou durante sua vida feliz, subia no galho mais alto, talvez para alcançar o infinito de sua imaginação.
As vezes lá no alto se escondia, e assim ninguém lhe via, e aquelas folhas verdes oliva lhe camuflavam, e assim a vida fluia.
E num silêncio profundo a menina lá dormiu, do alto do pé de azeitoneira, e lá embaixo a vida corria, e ela dormiu,dormiu e no seu sono profundo, não viu que tudo ali ruiu.
E no seu despertar, chorando acorda a menina, alguém que ela muito amava tão cedo partiu, partiu para sempre, para o infinito, um grito ela ouviu.
Cumade Cirninhaaaa !
Ao levantar os olhos, ela o viu...
Num sonho real, e sua face não era medonha, pois com ele todo dia ela sonha.
Eu vim te abraçar.
E num abraço suas duas almas fundiram-se numa só.
O primogênito não era desse Mundo.
E assim não mais, ela chorou.
E naquela azeitoneira frondosa, que uma mão rude derrubou, ela sempre sobe em seus sonhos.
E lá encontra aquele irmão que sempre amou, e lá sentam-se no galho mais alto, perto do infinito, e muito longe do mundo dos mortos vivos, apenas contemplam a vida que tinham naquele encantado lugar.
Adriana Noronha