terça-feira, 30 de junho de 2020



As vezes tenho vontade de fugir,
sair de mim e encontrar um lugar para ficar,
onde poderia contar minhas histórias, para meu reflexo
num opaco espelho.
Não quero ouvir outras histórias.
Queria ir sem receios, sem anseios, queria ouvir só
os meus próprios devaneios.
Queria me contar
minhas historias
falar dos meus amores.
Enumerar meus desenganos
reverter meus sonhos escondidos.
esquecer aqueles dias iludidos.
Queria só saber o dia em nasci
ou o dia em que pereci.
Pareço uma louca,
de mente insana
que sangra a cada entardecer.
Mas que não mais acredita no poder do alvorecer
eu queria ser apenas EU,
mas ao meio dia começa meu apodrecer.
As vezes vejo sinto meu corpo jazer
entre  a vida e eu, há um muro
e começo a temer o futuro
mas ele nunca vem...
Entro no trem,
sua fumaça me absorve
o vuco vuco dos trilhos
me enebria a letárgica alma.
O caminho para o infinito me acalma
olho a minha palma sem traços
sem linhas, sem laços,
ponho minha mão na minha mão.
Ouço as promessas que fiz pra eu,
guardo o sabor amargo das minhas tristezas,
do quanto ainda hei de chorar
sem deixar, ninguém perceber.
Vou encostar no meu ombro,
vou ser meu próprio assombro
serei sempre eu,
acompanhada de mim
naquela vereda sem fim...











quarta-feira, 10 de junho de 2020

A casa da Carapinima
A casa da menina da Carapinima estava bem na curva do trem, o Otávio Bonfim era sua antiga morada, mas seu avô paterno deixou o mundo dos mortos e foi viver entre os vivos.
Mudamos para sua casinha minúscula, com um quintal gigante, cheio de arvores frondosas, no jardim muitas papoulas amarelas, vermelhas e grenás, muitas rosas ciclame, ainda não tinha muro e o telhado era muito baixo.
Nada como uma reforma geral.
Papai e o primogênito disseram...
Vamos fazer o pé direito alto, depois foi que eu entendi, e a casa ficou enorme, éramos só quinze !
Mas a maior atração era o trilho do trem, estávamos separados apenas pela rua, a casa ficava a leste o trem a oeste, e os dormentes ficavam deitados, por cima os trilhos lisinhos com pregos fornidos e marretados, uma simetria que me trazia curiosidade, alegria e medo da morte.
Pois a mamãe dizia.
Se vocês andarem no trilho, vão morrer amassados, não vamos ter o quê enterrar, nem a alma de vocês vai sobrar...
A rua era movimentada, carros, ônibus, carroças, bicicletas, transeuntes,andarilhos, mendigos, vendedores de chegadim, tapioca molhada, peixe, verduras, coentro macaxeira, e a Veinha da carimã passava todo dia, e na nosso rua rua morava até uma Miss.
Mas a minha maior alegria era ele, o TREM, que saía lá da estação do Atarbomfim, e de lá vinha apitando, soltava uma fumaça que se misturava às nuvens, começava devagarinho, os passageiros corriam a pegar nas alças das portas, o condutor apitava,e o povo se adiantava, e o apito soava, soava, soava.
Seis da manhã, piiiiuuuiiiii, eitha lá vem ele !
Da rede quentinha eu pulava, corria lá pra fora, no parapeito da janela eu sentava, e la vinha ele no vuco, já acelerado, levando gente, como se leva gado.
Vermelho imponente barulhento, trepidante, fazia tremer o chão, lá dentro um mundo de ilusão, passageiros, homens feios, bonitos rapazes, moçoilas deslumbradas, crianças danadas, o idoso seguia mascando fumo, aqui acolá uma cuspida pela janela tomava o rumo da cara de quem estava apreciando a paisagem que corria.
O Otavio Bonfim sumia e o Benfica aparecia, o trem alinhava as árvores, acordava as casinhas ao seu redor, o cheiro café alegrava o maquinista, o sinal sonoro parava carros, o trem não pára pra ninguém, cortava o vento, levava gente, caixas, jornal, uma mala cheia de saudades, ás vezes a linda moça chorava com medo de não mais voltar.
A menina ficava somente a acenar, e muitas mãos acenavam para a menina alegrar, passavam ruas, avenidas, pontes, a cidade crescia, a vida ia, voltava e ia outra vez.
E entre as nuvens do progresso ele sumia, o trem da minha alegria.
Então o dia corria, mas sempre ligada ao som do trem a menina vivia, já era de tardinha, lá vinha ele no sentido contrário, retornava trazendo quem podia ou devia voltar, quem não queria regressar, deixando quem não queria ficar lá, o Sol já querendo deitar.
Corria a menina que entrava em casa para ver o trem refletido na parede, bem perto da cumeeira, de cabeça para baixo a passar, as nuvens invertidas, e o povo para o papai acenar.
Era um trem, refletido num mundo bom, num mundo mágico.
O primogênito falou.
Isso é o princípio da independência dos raios e o princípio da reversibilidade.
Que nada !
Era mesmo um trem encantado !
Era um trem, refletido num mundo bom, num mundo mágico, no mundos dos tempos dourados.

terça-feira, 9 de junho de 2020

terça-feira, 9 de junho de 2020


A MENINA E O TREM
Para Adriana Noronha
Uma menina que ainda acredita
Em luas e trens

Assim como o Pinduca da música a menina esperava, ansiosa, pelo trem.
Ela não corria para a estação para acenar, como todas outras crianças do bairro. A mágica acontecia bem ali. O trem dos adultos passava do outro lado da rua. O dela passava na parede branquinha da sala.
O trem só passava no fim da tarde, mas era um trem fantasma, que desaparecia se alguém acendesse a luz. Como se ele mesmo fosse assim todo de luz.
Na imaginação dela ele vinha da estação de Santa Luz. Cheio de moças com laço de fita e rapazes engomados do cabelo ao sapato.
O trem maluco, chegava na sua sala sem pedir licença e passava sempre de cabeça para baixo.
Um dia ela brigou com outras duas meninas bem maiores que não acreditaram no contava:
“Um trem feito de luz passa na parede da minha casa, ele vem de cabeça para baixo. A luz que faz ele vem de um buraquinho na outra parede”
“Mentirosa”, foi a resposta suficiente para puxões de cabelo e até um tapa! Não importava se ela ia voltar com a farda toda amarrotada. Ela podia levar poeira, lágrimas e até sangue para casa, mas desaforo...
Naquele dia o trem parecia dizer para ela com seu colorido crepuscular: Vou passando, vou passando, vou passando, piiiiuuuuiiiii.
O trem vai para a Lua. Chegando vai encontrar a menina sentada num cantinho. Protegida por São Jorge e fazendo amizade com o dragão. Nunca para a viagem. A estação é primavera, outono, inverno e verão.