terça-feira, 28 de março de 2023


E eu fui passar o fim de semana na casa de uma prima, lá na Gonsalves Lêdo, uma menina muito pra frentex, bonita, muito antenada nas coisas boas da vida, e tinha uma turma pop, e uns primos que moravam na Fiúza de Pontes, também bem antenados, e à noite nos sentamos na calçada e eu fui a novidade do dia, um papo pra lá de cabeça, havia um menino lindo espetacularmente lindo, passei a noite olhando para ele e no dia seguinte iríamos ao Clube de Regatas.

E o dia amanheceu com um lindo sol, e lá fomos nós de ônibus lá para a Barra do Ceará, e chegando lá, eu caí do cavalo, o menino que eu estava admirada de tanta beleza era uma menina, puta merda !

Eu fiquei besta ! Rapaz que fora...

Como não havia esboçado nada, tava tudo certo.

Cada qual queria ser melhor nadador que o outro, foi aí que outro menino da turma falou.

Porque você ficou a noite toda olhando para a minha irmã ? Quem, eu ? Sim você. Impressão sua...Vamos pular do trapolim ? Bora. bebemos Chrush Laranja, Pippers, Drops, coxinha de galinha, e passamos o dia naquele clube brincando e nadando.

Voltamos todos, á noite uma tertúlia esperava por nós, e de novo a turma reuniu-se na casa dos primos de minha prima, sob a vigilância dos pais e avós, tudo foi apenas dançar lento, sem beijos, mas o clima era de encantamento, onze horas, hora de dormir, falou a Catarina, e todos obedecemos.

E assim o domingo se foi e eu voltei para casa, e no aniversario de meu irmão, minha prima vem com o menino que ficou encasquetado comigo, ele era alto, moreno, olhos incrivelmente verdes e de cabelo bem curto, tinha quinze anos, eu treze, e a noite toda conversamos as bobagens da época.

Hora de ir embora. Já ?

Você quer namorar comigo ? E aquilo caiu como uma bomba, eu só tinha treze, impossível, mamãe vai me matar. Vou pensar. Pense rápido.

Vamos ao cinema, amanhã, e assim começou no Cine São Luiz, o filme O homem mais veloz do mundo, nós ali no escurinho do cinema, somente assistindo o filme, e a timidez não deixou que nos beijássemos, na saída pastel com caldo de cana, e o ônibus de volta para a Carapinima.

Um menino rico, carioca, filho de pais ricos e separados, rico de verdade, a mãe uma deusa, um sobrado caiado de branco, chique elegante, decoração refinada.

Próximo encontro, Feira dos Municípios lá na faculdade de agronomia, muito espaço, barracas de comidas artesanatos, e um parque e nós na roda gigante, vendo fortaleza do alto, mãos entrelaçadas, de novo o beijo não saiu, muitos irmãos por perto, vigilância, timidez...

É essas coisas existiam. Você é muito pura e casta ! O domínio da ordem da mãe era maior que o amor, e fomos assim tentado o primeiro beijo, outro cinema, outro passeio  no Center Um, a Praia do Futuro, a natação no BNB Clube, sempre estávamos juntos.

Até que a minha prima falou. Ela não é igual a mim. E num belo dia de campeonato no Naútico Atlético Cearense no meio de uma competição, Abel  Júnior terminou o nosso namoro, e eu ganhei a competição, mas não valeu, eu deveria ter sido igual a minha prima... Minha desilusão me fez perder o ano letivo e assim eu repeti a quarta série, minha mãe mudou-me de Colégio, e tive que começar tudo outra vez. Bons tempos, tempos de medos, inocência, vergonhas, e falta de coragem de fugir aos padrões impostos pela família e sociedade.

O medo foi maior que o amor de dois jovens adolescentes. E a Lua foi a testemunha de que o amor daquela menina era grande, porém maior foi sua timidez... 


sábado, 18 de março de 2023

 Lá pela década de sessenta, minha família morava na Justiniano de Serpa, mais precisamente na vila Nossa Senhora das Graças, bem perto da igreja Nossa Senhora das Dores, reduto das moçoilas e rapazes enamorados, que apenas se olhavam e já era o bastante para dormirem sonhando com o amor de suas vidas.

A vila tinha o formato da letra T, e nossa minúscula casa era a última á esquerda, o patamar era alto uma porta e uma janela, cômodos pequenos e quintal microscópico, e lá vivia nossa prole, a mamãe era a mais bonita, invejada, valente e caridosa, o papai trabalhava com o Chico nunes, a vizinhança Eriberto, Dona Suzi, Anselmo, Novo, Neca, Boneca, Dona Mariquinha, Toscano, Dona Judith, Mazé, Francisco, Zenilde, Seu Jorge...
Até que o Cabra Véi, morreu, era assim que a mamãe chamava meu avô Chiquim, então herdamos a sua casa lá na Carapinima.
O boi morre, a bem do urubu.
E o nosso universo mudou, o meu nem tanto, o de meus irmãos e irmãs, que foram forçados a deixar para trás sua rua, as quermesses de Santo Antônio, as tertúlias, e os amores impossíveis, e lá se foram eles para a Carapinima, trazendo em sua bagagem o pesa da saudade e a vila também entristeceu com a saída daquela turma animada.
E o caminhão FNM verde parou em frente a casa que seria nosso novo mundo, muitas árvores, frutas, bambuzal e o fantasma do vovô que nunca saiu de lá, a Tia Helena que era mais bonita que aquela, lá de Tróia se foi, foi ser gente lá no Rio de Janeiro, deixando seu único irmão com sua imensa meninada.
A casa era gigante, a casa da vila cabia em nossa varanda, e assim começaram uma reforma que a deixou maior e haviam duas entradas distintas, as moças e as meninas eram proibidas de entrar pela oficina, bem como seus empregados não ultrapassavam a fronteira, muito precavido, pois elas eram muito belas.
E tudo melhorou, o papai virou autônomo e fez sua fama de excelente mecânico espalhar-se e os anos foram passando, muitas luas vieram, e fomos muito felizes ali naquele lugar encantado.
Mas num dia nublado, chegou por lá um monstro chamado progresso, que veio carcomendo as casas, a bodega do seu João, as coxias, o campinho do racha, ergueram a linha do trem, e colocaram um tal de viaduto, seu brasil observando o levante da obra, falou ao engenheiro.
Esse cálculo esta errado.
O engenheiro muito educado, pediu que explicasse o porquê do erro, e com a erudição autodidata do simples mecânico, dos fatos que poderiam vir a acontecer, ele foi promovido a encarregado de erguer a ferragem, daquele monstro que dizimou nossa vizinhança.
Mais luas vieram, e fomos crescendo e perdendo a graça da vida pueril, o primogênito morreu, todos morremos juntos, não lhe foi permitido terminar de criar seus filhos, o papai já senil queria atravessar o século, atravessou, mas abriu-se o portal que o levou, morremos mais uma vez, o Lossinha foi ceifado da vida, a mamãe não superou tanta saudade e a dor de esperar pelo filho que estava perto e infinitamente distante, e seu coração de leão amansou, e dormindo amanheceu, ela morta acordou, ela nos tornou orfansãos de pai, e mãe.
E de novo veio o monstro do progresso, mais violento e letal chamado METROFOR, que num cálculo errado fez uma curva justamente em cima da casa da Carapinima, e o papai já não estava lá para corrigir esse erro lástimável.
E surguiu entre as brumas da poeira de nossa casa que ruia, o METRÔ, uma coisa sem o charme da velha máquina da RFFESA, sem o som do atrito das rodas de ferro no próprio ferro, sem a algaravia das crianças a correr pelos vagões, sem o apito, sem os vendedores de chegadim, tapioca, picolé de castanha, pirulito de mel, sem o desgosto de levar uma cusparada ao botar a cabeça para fora da janela, do idoso que mascava fumo, sem poder pular antes de chegar a estação de Maracanaú.
O metro carrega passageiros, presos em seus celulares, fones de ouvidos sem fio, não se olham, não sorriem, não roubam beijos, e nem vivem, como viveram os jovens na nossa Terra Alencarina, na nossa Fortaleza Antiga.