Lá pela década de sessenta, minha família morava na Justiniano de Serpa, mais precisamente na vila Nossa Senhora das Graças, bem perto da igreja Nossa Senhora das Dores, reduto das moçoilas e rapazes enamorados, que apenas se olhavam e já era o bastante para dormirem sonhando com o amor de suas vidas.
A vila tinha o formato da letra T, e nossa minúscula casa era a última á esquerda, o patamar era alto uma porta e uma janela, cômodos pequenos e quintal microscópico, e lá vivia nossa prole, a mamãe era a mais bonita, invejada, valente e caridosa, o papai trabalhava com o Chico nunes, a vizinhança Eriberto, Dona Suzi, Anselmo, Novo, Neca, Boneca, Dona Mariquinha, Toscano, Dona Judith, Mazé, Francisco, Zenilde, Seu Jorge...
Até que o Cabra Véi, morreu, era assim que a mamãe chamava meu avô Chiquim, então herdamos a sua casa lá na Carapinima.
O boi morre, a bem do urubu.
E o nosso universo mudou, o meu nem tanto, o de meus irmãos e irmãs, que foram forçados a deixar para trás sua rua, as quermesses de Santo Antônio, as tertúlias, e os amores impossíveis, e lá se foram eles para a Carapinima, trazendo em sua bagagem o pesa da saudade e a vila também entristeceu com a saída daquela turma animada.
E o caminhão FNM verde parou em frente a casa que seria nosso novo mundo, muitas árvores, frutas, bambuzal e o fantasma do vovô que nunca saiu de lá, a Tia Helena que era mais bonita que aquela, lá de Tróia se foi, foi ser gente lá no Rio de Janeiro, deixando seu único irmão com sua imensa meninada.
A casa era gigante, a casa da vila cabia em nossa varanda, e assim começaram uma reforma que a deixou maior e haviam duas entradas distintas, as moças e as meninas eram proibidas de entrar pela oficina, bem como seus empregados não ultrapassavam a fronteira, muito precavido, pois elas eram muito belas.
E tudo melhorou, o papai virou autônomo e fez sua fama de excelente mecânico espalhar-se e os anos foram passando, muitas luas vieram, e fomos muito felizes ali naquele lugar encantado.
Mas num dia nublado, chegou por lá um monstro chamado progresso, que veio carcomendo as casas, a bodega do seu João, as coxias, o campinho do racha, ergueram a linha do trem, e colocaram um tal de viaduto, seu brasil observando o levante da obra, falou ao engenheiro.
Esse cálculo esta errado.
O engenheiro muito educado, pediu que explicasse o porquê do erro, e com a erudição autodidata do simples mecânico, dos fatos que poderiam vir a acontecer, ele foi promovido a encarregado de erguer a ferragem, daquele monstro que dizimou nossa vizinhança.
Mais luas vieram, e fomos crescendo e perdendo a graça da vida pueril, o primogênito morreu, todos morremos juntos, não lhe foi permitido terminar de criar seus filhos, o papai já senil queria atravessar o século, atravessou, mas abriu-se o portal que o levou, morremos mais uma vez, o Lossinha foi ceifado da vida, a mamãe não superou tanta saudade e a dor de esperar pelo filho que estava perto e infinitamente distante, e seu coração de leão amansou, e dormindo amanheceu, ela morta acordou, ela nos tornou orfansãos de pai, e mãe.
E de novo veio o monstro do progresso, mais violento e letal chamado METROFOR, que num cálculo errado fez uma curva justamente em cima da casa da Carapinima, e o papai já não estava lá para corrigir esse erro lástimável.
E surguiu entre as brumas da poeira de nossa casa que ruia, o METRÔ, uma coisa sem o charme da velha máquina da RFFESA, sem o som do atrito das rodas de ferro no próprio ferro, sem a algaravia das crianças a correr pelos vagões, sem o apito, sem os vendedores de chegadim, tapioca, picolé de castanha, pirulito de mel, sem o desgosto de levar uma cusparada ao botar a cabeça para fora da janela, do idoso que mascava fumo, sem poder pular antes de chegar a estação de Maracanaú.
O metro carrega passageiros, presos em seus celulares, fones de ouvidos sem fio, não se olham, não sorriem, não roubam beijos, e nem vivem, como viveram os jovens na nossa Terra Alencarina, na nossa Fortaleza Antiga.

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Alguém que já sentou na lua.