A casa da Carapinima
A casa da menina da Carapinima estava bem na curva do trem, o Otávio Bonfim era sua antiga morada, mas seu avô paterno deixou o mundo dos mortos e foi viver entre os vivos.
Mudamos para sua casinha minúscula, com um quintal gigante, cheio de arvores frondosas, no jardim muitas papoulas amarelas, vermelhas e grenás, muitas rosas ciclame, ainda não tinha muro e o telhado era muito baixo.
Nada como uma reforma geral.
Papai e o primogênito disseram...
Mas a maior atração era o trilho do trem, estávamos separados apenas pela rua, a casa ficava a leste o trem a oeste, e os dormentes ficavam deitados, por cima os trilhos lisinhos com pregos fornidos e marretados, uma simetria que me trazia curiosidade, alegria e medo da morte.
Pois a mamãe dizia.
Se vocês andarem no trilho, vão morrer amassados, não vamos ter o quê enterrar, nem a alma de vocês vai sobrar...
A rua era movimentada, carros, ônibus, carroças, bicicletas, transeuntes,andarilhos, mendigos, vendedores de chegadim, tapioca molhada, peixe, verduras, coentro macaxeira, e a Veinha da carimã passava todo dia, e na nosso rua rua morava até uma Miss.
Mas a minha maior alegria era ele, o TREM, que saía lá da estação do Atarbomfim, e de lá vinha apitando, soltava uma fumaça que se misturava às nuvens, começava devagarinho, os passageiros corriam a pegar nas alças das portas, o condutor apitava,e o povo se adiantava, e o apito soava, soava, soava.
Seis da manhã, piiiiuuuiiiii, eitha lá vem ele !
Da rede quentinha eu pulava, corria lá pra fora, no parapeito da janela eu sentava, e la vinha ele no vuco, já acelerado, levando gente, como se leva gado.
Vermelho imponente barulhento, trepidante, fazia tremer o chão, lá dentro um mundo de ilusão, passageiros, homens feios, bonitos rapazes, moçoilas deslumbradas, crianças danadas, o idoso seguia mascando fumo, aqui acolá uma cuspida pela janela tomava o rumo da cara de quem estava apreciando a paisagem que corria.
O Otavio Bonfim sumia e o Benfica aparecia, o trem alinhava as árvores, acordava as casinhas ao seu redor, o cheiro café alegrava o maquinista, o sinal sonoro parava carros, o trem não pára pra ninguém, cortava o vento, levava gente, caixas, jornal, uma mala cheia de saudades, ás vezes a linda moça chorava com medo de não mais voltar.
A menina ficava somente a acenar, e muitas mãos acenavam para a menina alegrar, passavam ruas, avenidas, pontes, a cidade crescia, a vida ia, voltava e ia outra vez.
E entre as nuvens do progresso ele sumia, o trem da minha alegria.
Então o dia corria, mas sempre ligada ao som do trem a menina vivia, já era de tardinha, lá vinha ele no sentido contrário, retornava trazendo quem podia ou devia voltar, quem não queria regressar, deixando quem não queria ficar lá, o Sol já querendo deitar.
Corria a menina que entrava em casa para ver o trem refletido na parede, bem perto da cumeeira, de cabeça para baixo a passar, as nuvens invertidas, e o povo para o papai acenar.
Era um trem, refletido num mundo bom, num mundo mágico.
O primogênito falou.
Isso é o princípio da independência dos raios e o princípio da reversibilidade.
Que nada !
Era mesmo um trem encantado !
Era um trem, refletido num mundo bom, num mundo mágico, no mundos dos tempos dourados.

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Alguém que já sentou na lua.