segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

 O menino mais bonito


O badalar do sino da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios me acorda, aliás, nos acordam, as cinco filhas e os oitos filhos do seu Brasil pulam das redes, do beliche, das camas ,e a mãe megera já estava acordada cantarolando a fazer o café da sua enorme prole, somos treze, treze mundos num mundo encantado que era nossa casa com o imenso quintal, muitas roupas no varal, verduras, frutas, e á mesa o cuscuz, tapioca, suco de cajá, caju, mangas cortadas em quadradinhos, bolo de carimã, manteiga Itacolomy, o pão vinha numa cesta de vime atrelada a bicicleta do padeiro, os sacos de leite Cila da bodega do seu Moisés, o cheiro do café formava uma nuvem encantada que invadia as casas vizinhas.
A Justa já acordou...
E mais um dia começava na minha capital Alencarina.
Lá na Carapinima passavam carros, caminhões, ônibus, carroças, bicicletas, e transeuntes, muitos deles perdidos dentro de si mesmos, caminhavam às pressas, outros andarilhos que apenas caminhavam, nossos caminhos sempre subiam para o sul, para o norte íamos muito pouco, pelo menos eu quase não ia lá.
Até que conheci a minha melhor amiga no Movimento das Bandeirantes do Brasil, que morava no Henrique Jorge, nas proximidades da praça principal, e frequentemente ia a sua casa, pegava o ônibus na José Bastos, uma menina sem medos de desbravar lugares distantes.
O caminho para a Escola doméstica São Rafael eu fazia à pé, saia de casa por volta das seis horas e caminhava absorta em meus eus, ia pela calçada à direita até a Treze de Maio, dobrava na Imperador e seguia assim todos os dias.
Até que uma voz me deu bom dia.
Bom dia !
Voltei o olhar, e o céu se abriu...
Olhei de novo girei ao meu redor, o bom dia foi para eu mesma ! 
O menino mais bonito da redondeza do Benfica, aliás, do Jardim América.
Posso acompanhar sua passada ?
A rua é publica.
Ele era lindo demais, pele bronzeada, cabelos dourados, olhos de esmeralda, e corpo de estátua grega,
ali, lado a lado comigo, detalhe usava a farda do Capistrano de Abreu, que fica antes do meu destino, para minha surpresa ele continuou a passada e foi comigo até o portão do meu colégio de freiras, as colegas ficaram em polvorosa, e eu admirada, ele voltou a galope para seu colégio ...
Na aula, mitocôndrias, números primos, to be verbs, culinária, recreio, musica, educação física, e ao meio dia, algaravia, corre corre, carros parando para buscar as moças da pseudo elite fortalezense, travando a Imperador, quando saio ao portão, ele estava me esperar.
Bora, vim te buscar !
Viemos seguindo de volta, rumo á Carapinima, na bifurcação da Tereza Cristina com o final da Imperador, uma casa de muro baixo com jardim florido, de papoulas, jasmim, pitangas, muitas flores.
De repente ele pula, rouba uma rosa La France encarnada e aveludada, pega em minha mão e desatamos numa carreira até a Dom Jerônimo.
Os corações a pulsar desordenadamente, o trânsito frenético e nós ali, sentados na coxia tomando fôlego para seguirmos em em frente, querendo que o caminho que se findava, aumentasse alguns kilômetros , e assim chegamos ao meu portão, nos despedimos com um doce olhar, fiquei observando até ele sumir dobrando á esquerda da Padre Cícero, rumo a rua Ana Neri, e o dia passou em doces nuvens extraordinariamente azuis.
Eu dormira mais cedo para que o amanhecer viesse logo, e dessa vez eu já estava acordada antes do sol, antes de se formar a nuvem feita do cheiro do café, minha farda estava impecável, engoli o café freneticamente, calcei meus sapatos de boneca ornados em meias brancas, penteei o cabelo deixando minhas madeixas livres de fivelas, saí ao portão exatamente às seis horas, e lá estava ele encostado no muro do trem da RFFSA que ergueu-se à frente de nossa casa.
O sol refletia-se em seu cabelo de surfista da praia da AABB, e fomos caminhando e desapareciam os transeuntes, carros ,caminhões, bicicletas, no caminho só nós dois.
O menino mais lindo da redondeza ao meu lado, muito bonito para mim.
E assim nossas conversas iam do que mais gostávamos até, qual eram nossos sonhos mais impossíveis, passeios de bicicleta até a praia do futuro em sua magrela e eu na Monark Jeans, o Cine São Luíz, pegando jacaré nas ondas da praia de Iracema, passeio na feirinha de Nossa Senhora Fátima, as aulas de natação no BNB Club, uma vida de adolescentes sadios.
Uma viagem longa e repentina, por ordem da mãe megera nos separou por uma ano.
Na volta fui a sua procura.
Cadê o Nirês ?
Suicidou-se !
Você não quis ele,e ele desistiu da espuma das ondas, do Sol, da vida.
E eu que pensava que era feia para o menino mais lindo daquelas redondezas...
A flor La France encarnada e aveludada ainda existe, dentro de um livro escolar, testemunha da inocência de dois jovens que por timidez não deram sequer um beijo em seus longos passeios encantados.







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Alguém que já sentou na lua.