domingo, 28 de fevereiro de 2016


Escuridão 

O mês mais esperado do ano ,pelos meninos e meninas, rapazes e moças do Fransquim e da Maria Justa ,era o JANEIRO , eitha a gente não cabia dentro do corpo , parece que o espirito da magia tomava conta de todos nós , e ouvíamos a mamãe e o papai combinando a folga para a filharada , mas a folga mesmo era do papai , pois a casa do Benfica ia ficar entregue ás moscas e claro ele adorava aquela paz ,a gritaria, as brigas ,os choros , as arrengas ,as músicas no mais alto volume iam mudar de endereço ,para ele somente o som de suas máquinas serras e martelos batendo no aço ,para ele sinfonia , e a visão da fumaça de seu cubano.
E de manhã bem cedo um FMN 1970 verde, parava na porta , era uma algaravia , vixe era muita coisa pra botar no caminhão do Seu Manuel ,sacolas ,malas ,e a sanfona ,muita bugiganga , e claro nós ,o contingente era tão grande que o papai contratava um caminhão ,pra garantir a paz dele e nossa felicidade ...
Eu, muito menina ficava com pena ,pois ele nunca " podia " ir ,todos à bordo e o carro ia pela José Bastos e ia seguindo ,nem víamos o trajeto ante tantas brincadeiras na carroceria , e o cuidado do Willame , e de repente estávamos na Serra de Tucunduba .
Estava ali diante dos nosso olhos a imponência da natureza e a grandeza daquela serra , o caminhão não subiria devido as chuvas do nosso inverno cearense ,e carregar tudo lá pra cima era o único castigo , as parafernálias tornavam-se leves , e assim começava a subida para a gloria,e as nuvens se formando ,nós subindo e o riacho descendo bem ao nosso lado ,e aqui e ali uma parada para beber água na bica e empurrar alguém na água gelada.
Aqui acolá aparecia um índio, o pequeno vilarejo sabia que seriam dias de festa ,as senhoras mandatárias não levavam peso , já tinham o ofício de fazer as comidas , e que comidas...
E assim após uma hora de caminhada para cima ,eis que surge a casa, a gritaria era geral , uma construção colonial ao pé do abismo da,pirambeira, do sucavão , com salas gigantes , cozinha enorme , pátios entre os quartos assombrados , e claro com a capela colada à casa , uma área de terra a sua frente, se saíssemos correndo feitos loucos da casa corríamos o risco de descer ,descambar pelo abismo , tudo era maravilhoso , grandes mesas de madeira fornidas ,fogão à lenha , panelas gigantes , camas, e muitas ,muitas redes .
Não sabia de onde saia tanta fartura de comida , que eram guardadas à sete chaves nos armários de parede de portas robustas , que mesmo assim eram violadas , quando lá dentro tinha galinha assada , e quem pegava eram os santos da família acima de qualquer suspeita, eu via tudo mas se falasse ,não comia ,era cúmplice ...
E de noite vinham os sanfoneiros que animavam a escuridão da serra com o som de Luís ,filho de Januário , e a preparação da festa de São Sebastião, aumentava nossa fé . 
E a hora do sono vinha carregada de histórias de assombração ,e elas eram bem reais , pois o Rogério Wayne Noronha contava as histórias ,e o Ricardo se vestia de alma penada que vinha à noite perturbar nosso sono ,e pra piorar tudo a luz vinha de lamparinas , velas e lampião a gás, e isso contribuía para aumentar o pavor do escuro da noite tenebrosa .
As almas dos escravos desciam das grandes arvores e levariam quem estivesse do lado de fora da casa , e ai daquele que chegasse até as janelas ,para sequer apreciar a Lua que não aparecia , mesmo que fosse noite de Lua cheia.
A escuridão engolia a casa , e somente a capela ficava iluminada .
Mas lá fora não havia poste de luz ?
Era impossível chegar lá,mesmo estando ela tão perto ...
A escuridão tinha grandes olhos de fogo, unhas gigantescas que podiam partir-nos ao meio,um estômago que cabiam vinte crianças vivas ou não , e ela nos deixava mudos ,cegos, mancos ,nem podíamos respirar ,então para nos salvar tínhamos que dormir ,e só levantar ao primeiro raio de Sol . 
E assim os jovens quase adultos se livravam das crianças e os enamorados podiam conversar no salão das festas até o dia raiar , sendo as vezes atrapalhados ou vigiados pelas mandatárias da casa que passavam vez ou outra rezando seus terços de cristal . 
E assim crescemos felizes ....

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Alguém que já sentou na lua.