domingo, 25 de fevereiro de 2018



As moças da casa,aquelas lá do Benfica, muito bonitas e muito prendadas,
aprenderam a ficar cada dia mais alinhadas.
Iam ao centro comprar, linho,crepe, seda, chiffon,algodão de primeira,
linhas, agulhas, fitas de gorgorão,,uma infinidade de aviamentos.
E chegavam saltitantes.
Alguma tertúlia, luarada ou serenata aconteceria...
É naquele tempo era assim, os rapazes faziam serenata, e elas não saiam à janela,senão quebravam o encanto, da noite, e no outro dia apenas olhares na rua, na praça, a caminho da Escola Normal, elas usavam aquelas famosas saias de pregas, que na esquina eram levantadas pelo vento amigo, vento amigo dos rapazes...
Sempre fui invisível, para elas,mas sempre estava a olha-las e admirar-lhes a formosura, e seus dotes de meninas de família, tinha uma loura, outra morena ,uma de cabelos ondulados e castanhos,e outra de cabelos castanhos avermelhados, e eu com um corte moldado no pinico...
Pinico !
Sim, eu em minhas lembranças pueris, tenho uma vaga sensação que colocavam o pinico em minha cabeça,que se moldava direitinho ,pois sou cearense, e o cabelo que ficava de fora era cuidadosamente cortado, e assim tinha aquele corte " clássico ", até o dia em que me rebelei,mas essa é outra história.
E daquela máquina de pedal, que foi o primeiro presente de casada da mamãe,saim maravilhosos vestidos, e todos cinturados, plissados,bordados,com golas estilo Dandy, cheios de romantismo e capricho,
e eu por ali aproveitando as rebarbas, os retalhos, as fitinhas que caiam em pedaços ao chão, e antes mesmo que fosse varridos eles já eram meus.
E assim eu ia tecendo minhas reminiscencias,e fazendo vestidinhos de bonecas,aquelas que me ouviam, conversavam, me entendiam e ainda agradeciam os vestidos meio armengadinhos...
O tempo tratou de espalhar aquelas moças, cada uma criou o seu destino, ou seguiu aquele predestinado pela megera, sempre ela.
Então tive que crescer, também aprendi a bordar, costurar, cozinhar,
mas sempre elas foram melhores.
Então casei com um homem de vergonha, pari e sem ter o que fazer fui estudar, preencher o tempo, cada dia que aprendo, me certifico que ainda nada sei, seria apenas eu mesma, se não tivesse puxado a megera, a cópia fiel daquela que usou a mão de ferro...
Mas confesso, que se fosse de outra forma eu nada seria, sem a maestria daquela brava mulher de nome Justa.
Justamente ela, me transformou naquilo que tenho orgulho de ser .
SER exatamente igual a você minha doce e saudosa mãe megera.
Hoje posso ainda ser invisível, mas sei andar de bicicleta sem as rodinhas.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

A porcelana lá de casa
No dia a dia, ela usava sua melhor porcelana,
mesmo que a comida fosse simples, trivial ou feita às pressas, ou um jantar requintado,a porcelana estava sempre lá.
Um jogo de porcelana, branca com desenhos encarnados,com uma paisagem campestre, que ainda existe numa antiga foto, quando o namorado foi me visitar, à mesa ainda estavam o papai, o Wilame, o Reginaldo, o André, o Rangel, o Michael ,o Marcelino,a Raquel com a primogênita no colo e eu de boca cheia, na nossa antiga varanda, e lá se vão trinta e oito anos.
Um jogo de porcelana branco com faixas douradas ao seu redor, as xícaras sempre tinham pé, para as grandes ocasiões,tipo o casamento da Raquel, que foi um evento maravilhoso, e na mesa o famoso bolo xadrez com recheio de côco e abacaxi.
Um jogo de porcelana branco ornado de laçarotes cor de rosa, o que eu mais gostava, a toalha bordada em ponto de cruz deixava a mesa meio mágica, uma mesa de madeira com pé de ferro, feita pelo papai,e assim vivíamos.
Entre porcelanas, panelas de ágata, serviço completo, nos tempos dourados de nossa juventude, todos ali, todos, pois o infortúnio ainda não havia chegado à nossa porta, mas isso é outra história...
Um pai amoroso, que nunca demonstrou amor, mas sua lida diária provava o quanto cuidava dos treze filhos e filhas, um homem muito calado,sóbrio.
Mas ao retornar num entardecer depois de rodar o mundo de bicicleta com as colegas,assisti uma cena triste, papai estava bêbado de uísque ou cachaça não sei, pois ele não bebia cerveja, dizia que era bebida de pobre, as irmãs a proteger aquela que chamo de megera, três moças com força de mil homens, eu somente assistia e não entendia,
Quem era aquele homem que estava ali ?
Na parede uma silhueta da sagrada família.
A mais inteligente de longos cabelos negros, subjugada nas mãos dele, e a mais valente e popular o segurou, com as mãos de Hércules, a mais doce chorava, e eu só olhava...
Papai !
Não batam nele, ele é o pai de vocês, gritou aquela que era protegida.
E a louça foi ao chão, noventa e três peças, em cacos, e os cacos de almas se esfriaram, ele se foi para seu lugar preferido, sua velha cadeira de couro puro ou de puro couro.
E o choro da mais inteligente, que ficou sem suas belas madeixas negras, crianças tem memória de elefante,e minha ainda permanece cheias de vultos, de gente, algaravia, e vez ou outra uma confusão.
Onde estavam meus oito irmãos ?
Deus os deixou de fora, para que não fossem à forra...
E no outro dia, ele foi ao Romcy, comprar um jogo de porcelana branca, com laçarotes cor de rosa, e de quebra um faqueiro de caixa de madeira, e assim apagou o episódio.
Até hoje me pergunto o que causara tanto furor, naquele que sempre foi um pacato cidadão,
O que havia ali naquele calado coração ?

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Presente da prima LEGÍTIMA...

Quando chego da Bahia, a casa delas fica no meio do caminho, bem próximo ao quintal da Maria Justa, ai a parada é certa...
Quando passamos em frente, grito, RAPARIIIIIIIIGAS ...
E um bucado de mulheres Noronhas saem ao portão, e revidam.
Cachooooorra, volte aqui !
Dou a volta no quarteirão, a paro com a cara mais santa possível, então é alegria sem fim...
Eneida falou .
Noventa trinta e três, cobra e urso, boa milhar, observando a placa do carro.
Elas são as filhas do TiZé,aquele que foi feito na forma de fazer sapo, mas tinha um segredo, entre as mulheres...
E o cafezinho é inevitável.
Elas escondem tudo.
Afinal sempre roubo algo, um SANTO,uma xícara...
E o meu maior sonho, ainda não realizei, roubar o BAÚ da Preta .
E vamos para a varanda do quintal,sentamos à mesa,que fica bem ao lado do cacimbão, um lugar tão bom quando o quintal da mamãe.
E lá vem ela, a Poderosa da casa, aquela que mantém todos unidos, e me traz uma vaso cheio de ovo.
Toma leva pra tu comer...
Foi para mim como ter recebido um presente de muito valor.
Ramirinho disse.
Não precisa Eneida !
Dei um chute no pé dele, por baixo da mesa,e lhe lancei um olhar fulminante.
Ele lógico,tem amor à vida, aceitou.
Naquele momento ,era o que ela tinha a me oferecer, e confesso, foi o melhor presente...
Conversa vai, conversa vem, a noite caiu e fomos, até breve minhas primas.
E passei mais alguns dias no Torrão Natal.
Ao voltar ao meu exílio, os ovos vieram aos meus pés, numa longa e escaldante estrada.
Já na Bahia, ordenei colocá-los na chocadeira.
Ramirinho prontamente obedeceu.
talvez não vingue !
Vinga sim.
São ovos de galinhas cearenses, são fortes, são mágicos, são meu presente.
E hoje ele me veio, com o resultado, seis pintinhos cearenses.
E olha que teve uma pane elétrica e a chocadeira desligou,por um dia.
Num falei, são fortes iguais a nós MULHERES NORONHAS.
E doravante serão dezenas...
Vou cuidar como cuidei de meus filhos.
Aliás vou ter carinho e afeição.
Pois quem me deu foi a Eneida do TiZé.
Minha prima legítima.
Quando estou com saudades de minha infância e juventude,invento uma faxina,ligo o som bem alto, ouço algo do tipo, Dalva de Oliveira, Núbia Lafayete, Ray Conniff,Linda Batista, e o famigerado de voz potente Agnaldo Timóteo ligo a máquina de lavar, encero o chão, varro a varanda, molho as plantas, abro um vinho tinto doce, eu vou bailando pela imensa casa...
E assim posso voltar pra casa, onde não fazia praticamente nada, pois tinha a Raquel Noronha, a Regia Noronha Brasil e a Rogena Brasil que faziam praticamente tudo,acho que eu só estudava, e nadava quatro horas por dia, acho que foi assim que a mame conseguiu criar treze filhos, deixando eles ocupados, muito ocupados ,ai não dava tempo de pensar em besteiras..
Minha tática para que ninguém me pegue talvez chorando, ou com os olhos mareados de saudades, encho uma bacia de cebola roxa, ponho água e começo a descascá-las, e assim posso retornar ao mundo do qual me criei e cresci, subo nas arvores, viajo de trem com meus irmãos camaradas, visto escondidos os vestidos bordados da Rogena, coloco as calças cocota da Raquel, e mexo nos pertences da Régia, pois sempre quis ser uma delas, a primeira a mais inteligente, a segunda a mais doce e dedicada, a terceira a mais popular e destemida...
Então um dia eu cresci, e aí já viu...
Era por minha conta e risco.
Virei namorada, noiva, esposa, e minha pior ou melhor função mãe, pois não agrado a todos, e como uma tábua de salvação resolvi ser professora.
Até que um dia um aluno falou ...
Professora queria que a senhora fosse minha mãe .
Eu lhe respondi .
Queira não, senão você não vai mais me amar !
Seja sempre aquele aluno que vai me amar,por conhecer só metade mim.
Usei a mão de ferro semelhante aquela que fui criada, todas as mães são iguais.
E a Maria Justa mesmo sendo megera, nos salvou a todos...
E quando chega alguém, corro à cozinha e posso chorar à vontade por estar descascando cebolas .
Minha vida ,se melhorar estraga.
" se algum dia a minha terra eu voltar ..."