sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Céu

 Sempre que contemplo o céu

Vejo figuras dantescas.

Cheias de olhos angustiados.

Não vislumbro os anjos.

Nem ouço as harpas.

O vento vem.

E arrasta minhas nuvens.

E só sobra o azul

Horrivelmente blue...

O que é que tu escondes

aí no céu, meu Deus ?

O que está por trás 

dessas nuvens ?

Tão lindamente brancas

e tão fúnebres.

terça-feira, 28 de março de 2023


E eu fui passar o fim de semana na casa de uma prima, lá na Gonsalves Lêdo, uma menina muito pra frentex, bonita, muito antenada nas coisas boas da vida, e tinha uma turma pop, e uns primos que moravam na Fiúza de Pontes, também bem antenados, e à noite nos sentamos na calçada e eu fui a novidade do dia, um papo pra lá de cabeça, havia um menino lindo espetacularmente lindo, passei a noite olhando para ele e no dia seguinte iríamos ao Clube de Regatas.

E o dia amanheceu com um lindo sol, e lá fomos nós de ônibus lá para a Barra do Ceará, e chegando lá, eu caí do cavalo, o menino que eu estava admirada de tanta beleza era uma menina, puta merda !

Eu fiquei besta ! Rapaz que fora...

Como não havia esboçado nada, tava tudo certo.

Cada qual queria ser melhor nadador que o outro, foi aí que outro menino da turma falou.

Porque você ficou a noite toda olhando para a minha irmã ? Quem, eu ? Sim você. Impressão sua...Vamos pular do trapolim ? Bora. bebemos Chrush Laranja, Pippers, Drops, coxinha de galinha, e passamos o dia naquele clube brincando e nadando.

Voltamos todos, á noite uma tertúlia esperava por nós, e de novo a turma reuniu-se na casa dos primos de minha prima, sob a vigilância dos pais e avós, tudo foi apenas dançar lento, sem beijos, mas o clima era de encantamento, onze horas, hora de dormir, falou a Catarina, e todos obedecemos.

E assim o domingo se foi e eu voltei para casa, e no aniversario de meu irmão, minha prima vem com o menino que ficou encasquetado comigo, ele era alto, moreno, olhos incrivelmente verdes e de cabelo bem curto, tinha quinze anos, eu treze, e a noite toda conversamos as bobagens da época.

Hora de ir embora. Já ?

Você quer namorar comigo ? E aquilo caiu como uma bomba, eu só tinha treze, impossível, mamãe vai me matar. Vou pensar. Pense rápido.

Vamos ao cinema, amanhã, e assim começou no Cine São Luiz, o filme O homem mais veloz do mundo, nós ali no escurinho do cinema, somente assistindo o filme, e a timidez não deixou que nos beijássemos, na saída pastel com caldo de cana, e o ônibus de volta para a Carapinima.

Um menino rico, carioca, filho de pais ricos e separados, rico de verdade, a mãe uma deusa, um sobrado caiado de branco, chique elegante, decoração refinada.

Próximo encontro, Feira dos Municípios lá na faculdade de agronomia, muito espaço, barracas de comidas artesanatos, e um parque e nós na roda gigante, vendo fortaleza do alto, mãos entrelaçadas, de novo o beijo não saiu, muitos irmãos por perto, vigilância, timidez...

É essas coisas existiam. Você é muito pura e casta ! O domínio da ordem da mãe era maior que o amor, e fomos assim tentado o primeiro beijo, outro cinema, outro passeio  no Center Um, a Praia do Futuro, a natação no BNB Clube, sempre estávamos juntos.

Até que a minha prima falou. Ela não é igual a mim. E num belo dia de campeonato no Naútico Atlético Cearense no meio de uma competição, Abel  Júnior terminou o nosso namoro, e eu ganhei a competição, mas não valeu, eu deveria ter sido igual a minha prima... Minha desilusão me fez perder o ano letivo e assim eu repeti a quarta série, minha mãe mudou-me de Colégio, e tive que começar tudo outra vez. Bons tempos, tempos de medos, inocência, vergonhas, e falta de coragem de fugir aos padrões impostos pela família e sociedade.

O medo foi maior que o amor de dois jovens adolescentes. E a Lua foi a testemunha de que o amor daquela menina era grande, porém maior foi sua timidez... 


sábado, 18 de março de 2023

 Lá pela década de sessenta, minha família morava na Justiniano de Serpa, mais precisamente na vila Nossa Senhora das Graças, bem perto da igreja Nossa Senhora das Dores, reduto das moçoilas e rapazes enamorados, que apenas se olhavam e já era o bastante para dormirem sonhando com o amor de suas vidas.

A vila tinha o formato da letra T, e nossa minúscula casa era a última á esquerda, o patamar era alto uma porta e uma janela, cômodos pequenos e quintal microscópico, e lá vivia nossa prole, a mamãe era a mais bonita, invejada, valente e caridosa, o papai trabalhava com o Chico nunes, a vizinhança Eriberto, Dona Suzi, Anselmo, Novo, Neca, Boneca, Dona Mariquinha, Toscano, Dona Judith, Mazé, Francisco, Zenilde, Seu Jorge...
Até que o Cabra Véi, morreu, era assim que a mamãe chamava meu avô Chiquim, então herdamos a sua casa lá na Carapinima.
O boi morre, a bem do urubu.
E o nosso universo mudou, o meu nem tanto, o de meus irmãos e irmãs, que foram forçados a deixar para trás sua rua, as quermesses de Santo Antônio, as tertúlias, e os amores impossíveis, e lá se foram eles para a Carapinima, trazendo em sua bagagem o pesa da saudade e a vila também entristeceu com a saída daquela turma animada.
E o caminhão FNM verde parou em frente a casa que seria nosso novo mundo, muitas árvores, frutas, bambuzal e o fantasma do vovô que nunca saiu de lá, a Tia Helena que era mais bonita que aquela, lá de Tróia se foi, foi ser gente lá no Rio de Janeiro, deixando seu único irmão com sua imensa meninada.
A casa era gigante, a casa da vila cabia em nossa varanda, e assim começaram uma reforma que a deixou maior e haviam duas entradas distintas, as moças e as meninas eram proibidas de entrar pela oficina, bem como seus empregados não ultrapassavam a fronteira, muito precavido, pois elas eram muito belas.
E tudo melhorou, o papai virou autônomo e fez sua fama de excelente mecânico espalhar-se e os anos foram passando, muitas luas vieram, e fomos muito felizes ali naquele lugar encantado.
Mas num dia nublado, chegou por lá um monstro chamado progresso, que veio carcomendo as casas, a bodega do seu João, as coxias, o campinho do racha, ergueram a linha do trem, e colocaram um tal de viaduto, seu brasil observando o levante da obra, falou ao engenheiro.
Esse cálculo esta errado.
O engenheiro muito educado, pediu que explicasse o porquê do erro, e com a erudição autodidata do simples mecânico, dos fatos que poderiam vir a acontecer, ele foi promovido a encarregado de erguer a ferragem, daquele monstro que dizimou nossa vizinhança.
Mais luas vieram, e fomos crescendo e perdendo a graça da vida pueril, o primogênito morreu, todos morremos juntos, não lhe foi permitido terminar de criar seus filhos, o papai já senil queria atravessar o século, atravessou, mas abriu-se o portal que o levou, morremos mais uma vez, o Lossinha foi ceifado da vida, a mamãe não superou tanta saudade e a dor de esperar pelo filho que estava perto e infinitamente distante, e seu coração de leão amansou, e dormindo amanheceu, ela morta acordou, ela nos tornou orfansãos de pai, e mãe.
E de novo veio o monstro do progresso, mais violento e letal chamado METROFOR, que num cálculo errado fez uma curva justamente em cima da casa da Carapinima, e o papai já não estava lá para corrigir esse erro lástimável.
E surguiu entre as brumas da poeira de nossa casa que ruia, o METRÔ, uma coisa sem o charme da velha máquina da RFFESA, sem o som do atrito das rodas de ferro no próprio ferro, sem a algaravia das crianças a correr pelos vagões, sem o apito, sem os vendedores de chegadim, tapioca, picolé de castanha, pirulito de mel, sem o desgosto de levar uma cusparada ao botar a cabeça para fora da janela, do idoso que mascava fumo, sem poder pular antes de chegar a estação de Maracanaú.
O metro carrega passageiros, presos em seus celulares, fones de ouvidos sem fio, não se olham, não sorriem, não roubam beijos, e nem vivem, como viveram os jovens na nossa Terra Alencarina, na nossa Fortaleza Antiga.




segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

 A casa da Carapinima

A casa da menina da Carapinima estava bem na curva do trem, o Otávio Bonfim era sua antiga morada, mas seu avô paterno deixou o mundo dos mortos e foi viver entre os vivos.
Mudamos para sua casinha minúscula, com um quintal gigante, cheio de arvores frondosas, no jardim muitas papoulas amarelas, vermelhas e grenás, muitas rosas ciclame, ainda não tinha muro e o telhado era muito baixo.
Nada como uma reforma geral.
Papai e o primogênito disseram...
Vamos fazer o pé direito alto, depois foi que eu entendi, e a casa ficou enorme, éramos só quinze !
Mas a maior atração era o trilho do trem, estávamos separados apenas pela rua, a casa ficava a leste o trem a oeste, e os dormentes ficavam deitados, por cima os trilhos lisinhos com pregos fornidos e marretados, uma simetria que me trazia curiosidade, alegria e medo da morte.
Pois a mamãe dizia.
Se vocês andarem no trilho, vão morrer amassados, não vamos ter o quê enterrar, nem a alma de vocês vai sobrar...
A rua era movimentada, carros, ônibus, carroças, bicicletas, transeuntes,andarilhos, mendigos, vendedores de chegadim, tapioca molhada, peixe, verduras, coentro macaxeira, e a Veinha da carimã passava todo dia, e na nosso rua rua morava até uma Miss.
Mas a minha maior alegria era ele, o TREM, que saía lá da estação do Atarbomfim, e de lá vinha apitando, soltava uma fumaça que se misturava às nuvens, começava devagarinho, os passageiros corriam a pegar nas alças das portas, o condutor apitava,e o povo se adiantava, e o apito soava, soava, soava.
Seis da manhã, piiiiuuuiiiii, eitha lá vem ele !
Da rede quentinha eu pulava, corria lá pra fora, no parapeito da janela eu sentava, e la vinha ele no vuco, já acelerado, levando gente, como se leva gado.
Vermelho imponente barulhento, trepidante, fazia tremer o chão, lá dentro um mundo de ilusão, passageiros, homens feios, bonitos rapazes, moçoilas deslumbradas, crianças danadas, o idoso seguia mascando fumo, aqui acolá uma cuspida pela janela tomava o rumo da cara de quem estava apreciando a paisagem que corria.
O Otavio Bonfim sumia e o Benfica aparecia, o trem alinhava as árvores, acordava as casinhas ao seu redor, o cheiro café alegrava o maquinista, o sinal sonoro parava carros, o trem não pára pra ninguém, cortava o vento, levava gente, caixas, jornal, uma mala cheia de saudades, ás vezes a linda moça chorava com medo de não mais voltar.
A menina ficava somente a acenar, e muitas mãos acenavam para a menina alegrar, passavam ruas, avenidas, pontes, a cidade crescia, a vida ia, voltava e ia outra vez.
E entre as nuvens do progresso ele sumia, o trem da minha alegria.
Então o dia corria, mas sempre ligada ao som do trem a menina vivia, já era de tardinha, lá vinha ele no sentido contrário, retornava trazendo quem podia ou devia voltar, quem não queria regressar, deixando quem não queria ficar lá, o Sol já querendo deitar.
Corria a menina que entrava em casa para ver o trem refletido na parede, bem perto da cumeeira, de cabeça para baixo a passar, as nuvens invertidas, e o povo para o papai acenar.
Era um trem, refletido num mundo bom, num mundo mágico.
O primogênito falou.
Isso é o princípio da independência dos raios e o princípio da reversibilidade.
Que nada !
Era mesmo um trem encantado !
Era um trem, refletido num mundo bom, num mundo mágico, no mundos dos tempos dourados.
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 O menino mais bonito


O badalar do sino da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios me acorda, aliás, nos acordam, as cinco filhas e os oitos filhos do seu Brasil pulam das redes, do beliche, das camas ,e a mãe megera já estava acordada cantarolando a fazer o café da sua enorme prole, somos treze, treze mundos num mundo encantado que era nossa casa com o imenso quintal, muitas roupas no varal, verduras, frutas, e á mesa o cuscuz, tapioca, suco de cajá, caju, mangas cortadas em quadradinhos, bolo de carimã, manteiga Itacolomy, o pão vinha numa cesta de vime atrelada a bicicleta do padeiro, os sacos de leite Cila da bodega do seu Moisés, o cheiro do café formava uma nuvem encantada que invadia as casas vizinhas.
A Justa já acordou...
E mais um dia começava na minha capital Alencarina.
Lá na Carapinima passavam carros, caminhões, ônibus, carroças, bicicletas, e transeuntes, muitos deles perdidos dentro de si mesmos, caminhavam às pressas, outros andarilhos que apenas caminhavam, nossos caminhos sempre subiam para o sul, para o norte íamos muito pouco, pelo menos eu quase não ia lá.
Até que conheci a minha melhor amiga no Movimento das Bandeirantes do Brasil, que morava no Henrique Jorge, nas proximidades da praça principal, e frequentemente ia a sua casa, pegava o ônibus na José Bastos, uma menina sem medos de desbravar lugares distantes.
O caminho para a Escola doméstica São Rafael eu fazia à pé, saia de casa por volta das seis horas e caminhava absorta em meus eus, ia pela calçada à direita até a Treze de Maio, dobrava na Imperador e seguia assim todos os dias.
Até que uma voz me deu bom dia.
Bom dia !
Voltei o olhar, e o céu se abriu...
Olhei de novo girei ao meu redor, o bom dia foi para eu mesma ! 
O menino mais bonito da redondeza do Benfica, aliás, do Jardim América.
Posso acompanhar sua passada ?
A rua é publica.
Ele era lindo demais, pele bronzeada, cabelos dourados, olhos de esmeralda, e corpo de estátua grega,
ali, lado a lado comigo, detalhe usava a farda do Capistrano de Abreu, que fica antes do meu destino, para minha surpresa ele continuou a passada e foi comigo até o portão do meu colégio de freiras, as colegas ficaram em polvorosa, e eu admirada, ele voltou a galope para seu colégio ...
Na aula, mitocôndrias, números primos, to be verbs, culinária, recreio, musica, educação física, e ao meio dia, algaravia, corre corre, carros parando para buscar as moças da pseudo elite fortalezense, travando a Imperador, quando saio ao portão, ele estava me esperar.
Bora, vim te buscar !
Viemos seguindo de volta, rumo á Carapinima, na bifurcação da Tereza Cristina com o final da Imperador, uma casa de muro baixo com jardim florido, de papoulas, jasmim, pitangas, muitas flores.
De repente ele pula, rouba uma rosa La France encarnada e aveludada, pega em minha mão e desatamos numa carreira até a Dom Jerônimo.
Os corações a pulsar desordenadamente, o trânsito frenético e nós ali, sentados na coxia tomando fôlego para seguirmos em em frente, querendo que o caminho que se findava, aumentasse alguns kilômetros , e assim chegamos ao meu portão, nos despedimos com um doce olhar, fiquei observando até ele sumir dobrando á esquerda da Padre Cícero, rumo a rua Ana Neri, e o dia passou em doces nuvens extraordinariamente azuis.
Eu dormira mais cedo para que o amanhecer viesse logo, e dessa vez eu já estava acordada antes do sol, antes de se formar a nuvem feita do cheiro do café, minha farda estava impecável, engoli o café freneticamente, calcei meus sapatos de boneca ornados em meias brancas, penteei o cabelo deixando minhas madeixas livres de fivelas, saí ao portão exatamente às seis horas, e lá estava ele encostado no muro do trem da RFFSA que ergueu-se à frente de nossa casa.
O sol refletia-se em seu cabelo de surfista da praia da AABB, e fomos caminhando e desapareciam os transeuntes, carros ,caminhões, bicicletas, no caminho só nós dois.
O menino mais lindo da redondeza ao meu lado, muito bonito para mim.
E assim nossas conversas iam do que mais gostávamos até, qual eram nossos sonhos mais impossíveis, passeios de bicicleta até a praia do futuro em sua magrela e eu na Monark Jeans, o Cine São Luíz, pegando jacaré nas ondas da praia de Iracema, passeio na feirinha de Nossa Senhora Fátima, as aulas de natação no BNB Club, uma vida de adolescentes sadios.
Uma viagem longa e repentina, por ordem da mãe megera nos separou por uma ano.
Na volta fui a sua procura.
Cadê o Nirês ?
Suicidou-se !
Você não quis ele,e ele desistiu da espuma das ondas, do Sol, da vida.
E eu que pensava que era feia para o menino mais lindo daquelas redondezas...
A flor La France encarnada e aveludada ainda existe, dentro de um livro escolar, testemunha da inocência de dois jovens que por timidez não deram sequer um beijo em seus longos passeios encantados.







segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Oceano

 Qual oceano você prefere ?

As vezes mergulho num mar revolto, atravesso ondas gigantes, vou sem medo sinto o sal temperar meu corpo e acender minhas marés cheias de saudades, me envolvo naquelas espumas brancas, e vou nadando, até o infinito dos oceanos, além Mar, além  de mim...

De repente avisto o céu, e as estrelas me chamam.

Vem...

E vou ao oceano de luzes, flanando passando perto da Via Láctea, um caminho iluminado, bem  naquele imenso buraco negro que é meu coração,  e mais á frente a Lua me encanta e me engana.

As ninfas celestes tocam suas mágicas harpas, um som inebriante e estranho, e a escuridão surge num círculo cósmico medonho, o tempo não vai, não foi, sumiu e o vácuo de minha solidão surgiu.

E o universo tornou-se pequeno, o Sol em raios incandescentes,  me tira daquele  êxtase.

Desperto de novo para a vida, num amanhecer  trivial, mas ao anoitecer mergulho outra vez em meu sono habitual, e em meus sonhos vou navegando nos oceanos da vida,