quarta-feira, 7 de agosto de 2019



GABRIELA CRAVO E CANELA
Antigamente dez horas da noite já era quase madrugada, muito tarde da noite,as casas de família recolhiam as cadeiras que ficavam nas calçadas e cerravam suas portas, a rua se acalmava,pois a meninada já estava recolhida depois que o Cid Moreira e o Sergio Chapelin diziam " Boa noite " . Começava Fogo sobre terra, nós os pequenos queríamos assistir, a mamãe dizia para dormir, o papai dizia, dexa muié.
Só hoje...
Lembro que a história era sobre uma hidrelétrica, que iria inundar tudo,numa pacata cidadezinha do interior e retratava o crescimento da modernidade urbana em conflito com a tradição rural, era muito emocionante, e sempre o papai nos salvava dizendo .
Dexa, eles assistirem.
Eles tem que assistir, é Amaral neto !
retrucava.
Lembro quando as águas invadiram a cidade e a Nara permaneceu sentada no chão de sua casa até que fosse engolida pelas águas da represa. 
O choro da meninada foi real, uma cena inesquecível, onde o progresso inunda e afoga sonhos e vidas.
É ai que entra minha frustração infanto juvenil, eu queria assistir mesmo era, Gabriela Cravo e Canela.
De jeito nenhum ! 
De novo a megera indomável...
O Dexa, do papai não valia.
Na novela tem muita putaria...
Impossível mesmo. Aqui a gente não falava nem em sombrancelha, só porque tinha cabelo, quem dirá no resto, a repressão era grande, criança era criança.
E dez horas começava Gabriela, seu Nacibe,o Mundinho , o Tonico, e a trama ao redor da sensualidade da protagonista Gabriela,eternizando a Sônia Braga,era imprópria para nós seres pequenos e ainda invisíveis.
Pois tinha um cabaré e o que se passava lá dentro eram coisas indizíveis
Mas eu tive a sorte de ter nascido numa família de jovens intelectuais da resistência estudantil, naqueles tempos obscuros e repressores, a casinha do vovô transformou se na nossa biblioteca, e tínhamos de tudo, e uma coleção de cor grená do Jorge, é, O AMADO.
Foi aí que me vinguei da mamãe, li tudim, tudim mesmo, da Gabriela lá de Ilhéus, claro que, sem aquela trilha sonora que conseguíamos ouvir de nossa alcova.
O que a mamãe não ensinava, pois com certeza sua mãe minha santa avó Justa Amélia, também não ensinou, e eu consequentemente não ensinei a minha prole,eu li nos livros do Jorge, onze no total, abandonei Tereza Batista cansada de guerra no meio, talvez eu retorne e termine a leitura que achei enfadonha, afinal eu só tinha doze anos. 
O destino da vida traçado pela minha mãe, me empurrou pra Bahia, ai aqui casei com um Ramiro, que meus irmão chamam de Ramiro Bastos.
Piso hoje na terra do Amado Jorge, e assim seguirei o rumo das letras, lendo, lendo, e vivendo num mundo encantado que só os grandes escritores tem o poder de criar, reinventar, enfeitar e fantasiar a dura vida real.
Quanto a minha mãe, ela me criou como deveria, e eu não evolui, e fiz igualzinho a ela também fui,sou e serei uma mãe megera.
Quando eu não mais existir, talvez meus filhos e filhas possam me amar como amo minha mãe,depois de morta.

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Alguém que já sentou na lua.