domingo, 23 de dezembro de 2018

" Uma certa vez no novenário de Nossa Senhora de Fátima, havia a confissão comunitária, mamãe foi a pedido da Nancy tua madrinha irmã da Adélia, quando chegou na presença do padre, esse falou, conte seus pecados e ela sem jeito que não sabia por onde começar, pois seriam a mesma quantidade de areia que havia no quintal dela. O padre perguntou quantos filhos ela teve e quando ela falou 14, ele olhou pra ela e disse; seus pecados estão todos perdoados! E ela olhando para o padre que na época era D. Aldo Pagôto por sinal muito belo lhe disse, padre já vou sair daqui pecando porquê eu estou encantada com sua beleza."
E aproximou-se o mês de Maria, a Trezena de Fátima, a mamãe juntava a fila de treze filhos e filhas, oito meninos cinco meninas, ás cinco da tarde tudim limpim, pois a caminhada era grande lá do Benfica pro Bairro de Fátima, e íamos fazendo zig zag, pelas ruas do Benfica até chegar no Santuário de Nossa Senhora de Fátima.
E Fortaleza se enchia de um vento mágico, as pessoas pareciam mais felizes, os ônibus lotados, o vai e vem dos romeiros, romeiras, moçoilas lindas em seus vestidos bordados para a ocasião de fé e amor a Fatima.
A mamãe seguia à frente com sua roupa de linho engomado, e cheirando a Contouré e sabonete Viol, as moças de Alma de Flores, os rapazes de Garrão, as crianças de lavanda, e o papai sempre como coadjuvante, usava Rastro, e nas mãos o terço, velas e flores, essas últimas arrancadas dos jardins das casas que estavam no correr do nosso caminho de fé.
A mamãe não se virava para conferir a fila, pois quem se perdesse ,se fosse achado ainda levaria a surra prometida, os pequenos ansiavam pelo algodão doce, as moças pelas maçãs do AMOR, compradas por seus paqueras que se infiltravam nessa trupe, com a desculpa de irem também a trezena rezar, e a nossa fé aumentava , quando nos aproximávamos daquela multidão pacífica, que só aumentava no correr dos dias, e lá estavam a ala rica da Tia Bibisa que vestia seu lindo vestido de laise brocada e engomada, sua prole sempre mais autiva .... Nós ficávamos perto do papai, ele era lindo na sua calça de tergal .
E lá a tia Maria do Carmo também de linho, acho que era pra competir, tinha jeito não a mamãe era a mais bonita.
Ei, e a trezena ?
E os cantos nos arrepiava a pele, e o clamor invadia nossos corações e ali naquele momento, éramos mesmo uma grande família.
E Deus ali, nos abraçava, e nos dava forças para querer estarmos ali, no ano seguinte.
Ave, ave ,ave Maria,
Ave, ave, ave maria,
E todas as nossas Marias...
Maria Luiza
Maria do Carmo
Maria Justa.
Viravam Santas, nossas Santas mães...
Naquela procissão que de tão gigante quase não pisávamos no chão sagrado daquela Linda Igreja, hoje Santuário de Fátima.
E a Treze de Maio no céu aparece a Virgem Maria .
E assim crescemos com as graças alcançadas, de ainda sermos e pertencermos a essa grande família.

sábado, 22 de dezembro de 2018

Carapinima

A menina de uma prole de quatorze filhos era a número treze, sendo assim quase caçula, filha de mãe dominadora era quase nula dentro daquela casa, pois haviam outras quatro moças mais bonitas, não sabia ela, que era tão bonita quanto.
Sua maior sorte, o Colégio de Freiras que tinha a mais fina flor do High Society da capital Alencarina, portanto a menina frequentava só bons lugares, farda impecável, suas meias brancas ornadas no belo sapato de verniz preto, e assim ela saia da sua clausura e flanava nas vias asfaltadas que a levavam ao colégio.
Sua casa ficava na Carapinima, era filha do melhor mecânico do Benfica, o famoso Seu Brasil, mas sua mãe megera dizia que mecânico era a pior raça que existia, apesar de ter um lindo pai, moreno, alto, cabelos negros, corpo esguio e semblante de artista Hollywoodiano, sempre que indagada pela profissão do pai, falava que era engenheiro mecânico, e assim seguia sua vida de semi princesa de província tupuniquim.
E num belo dia uma colega lhe ofereceu carona, e ela prontamente recusou.
Obrigado, para vocês é contra mão.
Faço questão ! Disse o lindo irmão de Valdimary.
Pronto e agora ?
Mas vocês moram no bairro de Fátima !
E eu na avenida da Universidade
Não tem problema, desço a Imperador, sigo pela Carapinima, passo por baixo do viaduto de cimento da José Bastos, dobro na Padre Cícero passado pelo viaduto do trilho, faço a volta e pego a avenida da Universidade...
Quando dei por mim estava, no Corcel II azul celeste, eitha vou passar em frente de casa, e assim foi, no cruzamento da Treze de Maio a Carapinima...
Posso descer aqui.
De jeito nenhum, moça direita se entrega na porta.
No rádio sintonizado na Verdinha, tocava Conversation do Morris, e o lindo rapaz a me olhar pelo espelho,me deixava rubra de rosa, foram instantes de magia, ô minino lindo.
Passamos em frente a Motoclinica, acordei do transe, quando indagada pelo endereço, passamos a Antenor Frota Vanderlei, falei, vá devagar, e pare nessa casa rosa ciclame...
Desci e fiquei ao portão, agradeci, e aguardei a arrancada do Corcel, dei um aceno em agradecimento,e ufa...
E me recompus do sonho cor de rosa e segui para casa, apenas uns cem metros me separavam daquela maravilhosa casa, de propriedade o Dr. Roberto que levava seu Ford Maverik V8, pro papai dá um trato de primeira...
E Hoje já crescida, constatei que o melhor lugar do Mundo, é a casa que vovô morou, que meu pai herdou e deixou pra nós, e o seu Brasil o melhor mecânico do Benfica formou, enfermeiras, professores, professoras e doutoras consertando carros de pobres homens ricos.
Seu Brasil tenho o maior orgulho de ter nascido sua filha,e lá se vão quarenta anos e sempre que posso volto ao nosso quintal encantado, que tem até palmeira imperial.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Tudo outra vez

O tempo veio, o tempo foi, me fez crescer, e pra longe me levou, um dia a saudade me empurrou de volta.
Ei, eu vou ali.
Vou fazer meu coração pulsar alegre, vou lá no Ceará...
E fui.
Mas ao chegar eu vi a minha casa no chão, a casa em que cresci , lá na Carapinima, cheguei tarde e não deu tempo de pegar um pedaço sequer do reboco ou um caco de telha, ela ruiu,não achei nada mais não.
Onde ficaram as panelas,
as cadeiras,o baú da vovó,
os livros e a nossa Enciclopédia,
e as minhas bonecas de pano,
a lata da farinha, do feijão,
o fogão,
e a mesa gigante onde a mamãe nos serviu o leite e o pão,
o pé de jambo ,
o cajueiro,
a azeitoneira onde subia todas as noites a sonambular,
os pés de coqueiros que sustentavam as roupas da meninada no nosso imenso e colorido varal ?
Meu Deus, cadê eu, minhas irmãs e meus irmãos !
A oficina do Seu Brasil !
Senti um calafrio e calei , mas queria mesmo era gritar,berrar.
Então só fiz chorar, e minha ausência lamentar.
Um algoz chamado progresso em forma de metrô matou o trem do Otávio Bonfim e engoliu vorazmente um micro mundo em beneficio do mundo macro .
Mas posso reconstruir tudo outra vez ,
a algaravia e as arengas da meninada,
o cheiro delicioso do café, do leite e do cuscuz que vinha da cozinha,
os latidos misturados aos miados dos gatos ,
ouvir, Menina da ladeira na radiola,
ver o florescer das papoulas,
subir e arrancar as frutas das árvores ,
ouvir o som do sino da igreja de Nossa Senhora dos Remédios a nos chamar a rezar .
As brincadeiras de roda,o pega pega,
as estórias de terror contadas no escuro do quintal ,
a vela acesa dentro da lata ,
o balanço no cajueiro indo e vindo ,
o coral do ronco de todos a dormir ,
o terço gigante pendurado na parede ,
o presépio, a arvore enfeitada com algodão.
E o melhor de tudo andar pela nossa casa de paredes alvas e cheias de desenhos infantis pueris ,
,roubar as garrafas de cajuína que curtiam no telhado,
entrar pelas portas sem ferrolhos pois nada ficava trancado.
Eu fecho os olhos e colho tudo de bom que lá existiu ,
felicidade assim nunca se viu ,
minha vida não se perdeu e tudo que vivi foi o que valeu ,
e lá no Benfica, eu começaria tudo outra vez ...

Adriana Noronha .

sábado, 24 de novembro de 2018

Casa da Tia

Em frente á Praça Presidente Roosevelt, na esquina da rua Ana Neri com Carlos Câmara, existia uma casa branca de varanda em formato de arcos, com muro chapiscado de uma altura que da praça dava para ver as papoulas encarnadas, grená e brancas, que ornavam o jardim, era a casa da Tia Bibisa, a tia rica, a mais doce das Noronhas, uma réplica da Raquel de Queiróz, seus filhos já eram quase crescidos, e nós seus sobrinhos adorávamos visitá-la.
Ao entrarmos havia uma sala espaçosa,com piso de assoalho, os quartos do lado sul, ao redor muitas rosas, janelas abertas à vida ,ao vento, ao sol, após a sala a cozinha, o lugar mais encantado daquela mágica casa, o quintal ficava há alguns poucos degraus abaixo,muito verde, mas voltando à cozinha, uma mesa de jacarandá rodeada com cadeiras de palhinha, adornada por uma toalha de rechilieu, feita por suas mãos de fada, no radio tocava Dalva de Oliveira,e elas cantavam junto com ela, Hino ao amor, entre outras, como Bandeira Branca, Errei sim, ai a mamãe vinha com sua voz e cantava Vingança, " mas eu gostei tanto ".
A Maria Justa nos levava sempre à tarde, enquanto corríamos soltos na Praça do Jardim América, as Noronhas se punham a fazer os nossos sonhos em forma de bolos encantados tipo Sousa Leão,Luís Felipe, Espera Marido, pão de ló, e bolo mole, o leite da vacaria do Benfica, lá na Carapinima entregue em garrafas de vidro, branquinho feito nuvem, um doce feito dos cajus de lá de casa, o pão de milho feito no prato com pano amarrado, tapiocas regadas ao leite de côco, uma panela de barro cheia de coalhada, o pão da bodega do seu João, aquela quase em frente à Vivenda dos Amaral, a nata com uma pitadinha de sal, o suco de graviola do pé, mas se tinha uma coisa que invadia de alegria aquela praça de árvores frondosas, era o cheio do café torrado na hora, que se espalhava como mágica, a nos chamar pra dentro daquela encantada casa.
A mamãe vestia seu belo vestido de poás rosa ciclame, a Tia Maria do Carmo no seu vestido de linho escuro finamente bordado por ela mesma, mas a Tia Bibiza sempre muito pudica vestia branco, um vestido de laise, que denotava a pureza de sua alma, os óculos dourados valorizavam suas madeixas grisalhas presas a um coque elegantemente penteado sua voz mansa nos ordenava que lavássemos a mãos, porcelana cheia de flores campestres, chaleiras, bules, xícaras,copos finos e longos, talheres acho que de prata, e nós ali comendo antes com os olhos, e depois se fartando daquelas delícias que só as Noronhas lá de Redenção sabiam fazer.
As moçoilas preferiam continuar na varanda a flertar com os marmanjos, daquelas cercanias, entre um olhar e outro, uma corrida à cozinha para uma fatia de bolo oferecer aos lindos rapazes, que ficavam á espera do maior prêmio, talvez um doce beijo roubado.


O Sol sumia a oeste, e as crianças esqueciam que o dia tinha fim, e após a merenda, a louça pra lavar e as fofocas para atualizar, quando o crepúsculo vinha, hora de pedir a bença as tias, e tomar o rumo da Avenida da Universidade, a fila da prole da mamãe voltava feliz ao nosso também lar doce lar.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Medo


Medo II

Os tempos vindouros, serão árduos, obscuros, densos, uma nuvem fúnebre se forma, acima de nós.
Sofrerão, negros nascidos fora da Africa mãe, deveriam ter ficado lá.
Sofrerão nordestinos, de baixa estatura e sotaque matuto, eles não são astutos, só servem para construir, depois é só os banir daqui.
Os mendigos continuarão dormindo ao chão, e vez ou outra serão levados no camburão.
As prostitutas essas sim, talvez tenham salvação, vão estar em carros de placas adulteradas, para não dizer brancas placas.
Temo pelas meninas que são meninos e pelos meninos que são meninas, esses sim podem sofrer a pior das sinas, serão julgados por aqueles que nunca jogaram a primeira pedra, por aqueles que não possuem pecados, por aqueles que de dia são ilibados,mas na calada da noite...
Sofrerão as mães, que sempre tem filhos,que são eternas crianças, essas chorarão e por eles pedirão perdão, é só uma criança..
Os professores !
Esses sim, serão arrastados violentamente, pelos corredores da ignorância instituída, por aqueles que perderam o real sentido da vida, por alunos alienados, por pais doutrinados na fé cristã, que os cega e castra, pois só eles terão o reino, de quem, não sei.
E o pássaro hediondo, com suas asas perfuro contantes,sobrevoará os ares e perseguirá do mais inocente ao mais valente vivente desse Mundo ardente.
"Mas, se ergues da justiça a clava forte,
Verás que um filho teu não foge à luta,
Nem teme, quem te adora, a própria morte."
E assim a oprimida humanidade, acreditará que valerá a pena viver, seguir em frente, olhar ao redor e sentir o calor do sol, o frescor da lua, poderá andar livre pela rua, sair à porta, ir à escola sem escolta, sem escutas, sem vigilância, não usará ambulância...
"Do que a terra, mais garrida,
Teus risonhos, lindos campos têm mais flores;
'Nossos bosques têm mais vida',
'Nossa vida' no teu seio 'mais amores'."
E o pulsar do medo, se transformará em coragem, em vontade de ficar ou de voltar à Pátria querida, voltar à vida.
"Brasil, de amor eterno seja símbolo
O lábaro que ostentas estrelado,
E diga o verde-louro dessa flâmula
- 'Paz no futuro e glória no passado'."
O passado próximo já se foi, agora é a vez do futuro, chega de ficar em cima do muro, sejamos irmãos na paz, e não na guerra, pois estamos na mesma terra.
"Terra adorada,
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó Pátria amada!
Dos filhos deste solo és mãe gentil,
Pátria amada,
Brasil!"
E nas cercanias da vida, surgirá um cavalo alado, imponente, robusto, agarre-se a ele e cavalgue, vá longe, mas não vá só, me leve,nos leve, sejamos unidos e não soltemos nossas mãos, sejamos flor e não dor.
Adriana Noronha

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Razão de continuar ...



O Sol aqui nasce bem antes da hora, e já empurra as nuvens para longe, vem castigando com sua imponente força abrasadora, o semi árido, ouço o aboio daquele que amo
desde os tempos de menina moça, e que desde menino também levanta junto com o Sol, os chocalhos badalando, e o gado seguindo em fila para o curral, e aquela luz intensa atravessa a janela do quarto me forçando também a deixar meus sonhos pra depois, levanto as mãos e agradeço por mais um dia, ligo a TV gigante, mas só tem as mazelas do mundo, mergulho num chuveiro de água quase quente, e a tomada tá desligada...
O ritual de sempre, a blusa branca um jeans, mocassim, livros, gramática, minha latinha de canetas, minha bolsa de caruá, a pasta, as chaves, desço, roubo uma banana e uma maçã na cesta, e vou ao carro, assobio o código secreto, e aquele que levanta antes de mim, suspende a cabeça entre as vacas e me dá um sorriso malicioso e pisca o olho...
Tem café !
Faço as honras e degusto um café doce e quente.
É, tem mesmo um curral com cafeteira e música.
Já vai ?
Vou.
E lá vou eu para o lugar, que me realiza como profissional, os primeiros pedestres, uma galinha cheia de pintinhos de pescoço pelado, patos, gansos,pavões de caldas abertas em sedução às suas fêmeas, revoadas de garças que vão rumo ao Sol, enchendo o azul celeste de tons brancos e minúsculos, revoada de periquitos verdes e azuis, e o caburé que sempre me espera no morão da porteira, um pedaço de estrada de chão, o asfalto que foi a sensação da cidade, apesar de ter apenas em duas ruas, mas os munícipes se sentem numa capital.
E as salas cheia de alunos, de toda espécie, alegres, estudiosos, dispersos, calados, espertos, e aqueles que apenas estão lá, para não estarem em casa, cinco horários, salas cheias de alunos, cheias de tudo...
E a volta para casa, com o Sol mais quente ainda, o asfalto a derreter as esperanças de chuva, transeuntes, bicicletas, um cavalo, a moto comprada num leilão, uma senhora que sempre vem com sua sombrinha cheia de flores, carrega o peso da velhice e suas dores, uma praça recanto de homens ébrios, maltrapilhos e invisíveis, um monte de lindos ciganos, um trem parado, uma fila de banco ao Sol, gente, homens, meninas de shortinho mostrando as bochechas da bunda, vulgarmente sensuais, e outras coisas mais.
De novo retorno à porteira e lá me espera o caburé, guardião de olhos grande, ao longe o bode berra, a poeira sobe, faço a curva devagar, e o carro descansa seu possante motor pouco explorado, pego meus apetrechos, ouço uma voz ...
Vovó chegou !
José corre ao meu encontro, num abraço cheio de coisa verdeira, me abraça e fica calado ele é invocado, o Antônio ergue as mãos a bater palmas ao portão, a Maria vem gritando, abençavovó, abençavovó, abençavovó três vezes,
ainda bem que sou avó, pois se fosse mãe tudo seria diferente.
Pois sou igual àquela por quem chamo megera, que tinha a mão de ferro, metia medo até no cão, seu olhar nos derrubava ao chão, era orgulhosa, caprichosa, dormia com um olho aberto e um fechado, estava sempre alerta, e quase numa fazia uma carinho, e assim nos criou, ela era mesmo muito poderosa.
Por isso vou ser apenas uma avó, vou só amar, coisa que não fui capaz de fazer como mãe, não tinha tempo pra isso, por uma vez em minha vida, vou só cuidar, sem ultrajar, sem vigiar, sem cobrar, sem ferir, sem bater, sem oprimir, sem quase matar.
Vou me despedir de ser mãe, vou ser apenas vovó, mas se tivesse outra chance na vida, queria de novo ter nascido da mesma barriga, da mesma mãe, pois todas as mães são iguais, são odiadas e amadas tal e qual.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Belo rapaz


Nesse solo fértil me criei,à sombra do bambuzal,me abrigava do sol, lá na Terra da Luz, corria pra lá e pra cá,e via lentamente a vida passar, muitas crianças ao meu redor, a caçula de oito irmãos, e um cordão de ouro um ano mais novo.
Não havia quintal mais sortido, cajús, azeitoneiras, genipapos, coqueiros, siriguelas, canapus, mangueiras, jambos, cajás, só não tínhamos sapotis, mas esse pequeno detalhe, resolvíamos roubando os da vizinha.
E ao entardecer, o cheiro da sopa de galinha, que lá chamamos canja, tomava conta da vizinhança, e o pão da padaria da Parangaba, a leiteira apitando, e chamando a meninada à mesa sentar-se, lá fora o trânsito em seu eterno vai e vem.
Na TV passava Escrava Isaura, a gente sofria junto com ela, depois da janta, as estrelas não se atreviam a iluminar o quintal encantado, que de noite ficava mal assombrado, o vovô Chiquim, passeava naqueles arredores que era seu, nos arrepiávamos só em pensar ver a alma dele que passeava entre as árvores por ele plantadas.
A Lua não aparecia, ela não se atrevia atravessar a copa fechada, só para aumentar o medo da meninada, e os mais velhos completavam a trilha do medo com suas histórias fantásticas, e de vez em quando uma rasga mortalha, rasgava o vento sombrio da noite, e um frio no cangote era inevitável.
E naquela roda todos colavam uns nos outros, e a brisa noturna se tornava gélida, de vez em quando os pássaros, batiam em revoada, nos fazendo gelar o sangue, e o espírito do vovô tomava forma.
Um moreno alto, mais de dois metros, olhos vivos de cor púrpura, braços cabeludos, unhas enormes,em formato de foice, grandes madeixas prateadas brilhantes, corpo esguio, quase esquelético, e tinha hálito de fumo de rolo bem mastigado, o homem era mesmo do outro mundo.
E as histórias eram contadas num tom misterioso e cheio de sons alucinantes, e as crianças ficavam envolvidas naquela magia, e ninguém corria, e assim a noite esperava um pouco mais, até o sino da Igreja dobrar o carrilhão doze vezes, era o momento de ficar em silêncio, e deixar a meia noite passar sossegada, uma chuva fina, espalhava aquela turma, que corria para a alcova e se escondia nas redes, enrolando os pés no lençol, e o sono vinha cheio de boas assombrações.
E ao crescer, e entrar no mundo triste dos adultos, volto àquele lugar encantado, levo comigo meus rebentos, para mostrar como era bom viver lá, quem sabe um dia o vovô, apareça a mim e eu descubra que ele era um belo rapaz.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

O dia das crianças poderia mesmo ser eterno, poderia nunca acabar, as crianças poderiam nunca crescer,, poderiam nunca conhecer a maldade humana.
O dia das crianças seria sempre dia das crianças.
E aqueles que esqueceram que um dia foram também crianças, não deveriam ter o poder de desmanchar,o curso da vida, desviar caminhos, afastar crianças de crianças, e forçá-las a simplesmente crescer.
O balanço vai e vem, vai e vem, mas vai e vem somente empurrado pelo vento, que sopra frio, que move as árvores, revolve a terra, espalha folhas, e desmancha as flores, o sol ajuda-o a tornar aquele lugar antes cheio de algarravia, barulho, confusão de vozes, e passos pueris que corriam pra lá e pra cá, indo e vindo, onde se ouviam sorrisos e canções, num lugar qualquer.
E o encanto daqueles sorrisos largos, apagou-se, aliás foi apagado, por um mundo adulto, de grandes cabeças ocas, mas cheias de maldade, recheadas de pensamentos torpes, que ardiam em cobiça por algo,nunca conquistado, mas muito desejado, o espírito do mal, que possuía um sorriso alvo e largo, mas que no fundo de sua alma ,não sorria, os dentes rangia...
O dia das crianças seria sempre dia das crianças.
Se os corações fossem feitos de pedaços de nuvens, de pedaços de maçãs do amor, de pedaços de flor, assim teríamos mais coragem e força de enfrentar qualquer dor...
Um dia seremos anciãos, de pernas capengas, de passos inseguros e limitados, de cabelos prateados pelo tempo, pelo tempo em que perdemos, em sermos criaturas de orgulho acima de qualquer circunstância, devemos sempre manter a fronteira da distância, o limiar entre a vida e a morte, estando vivos num mundo só de adultos, de impuros corações.
E a memória um dia se lembrará que devemos esquecer que já fomos algo, e nada mais restará na imensidão de uma mente esquecida, e se vierem lapsos de lembranças, ouviremos o eco oco, da algaravia, do barulho, da confusão de vozes, e dos passos pueris que corriam pra lá e pra cá, indo e vindo, onde se ouviam sorrisos e canções, num lugar qualquer da mente.
MEDO
Acordei no meio da noite, em um lugar qualquer, não reconheci ninguém, não sabia onde estava minha alma, eu estava oca,sozinha, só havia escuridão.
Só ouvia berros, gente fugindo, caindo ao chão, caindo ao chão de antigas mazelas, de dores, de rios de fortes odores, nem sentia mais o cheiro das flores.
Falsos profetas maculavam corpos inocentes, e eram seguidos por rebanhos de ovelhas, dementes, doentes, de coração ausente.
Uma negra mãe chorava, seu rebento foi arrebentado, outra mãe chorava pelo filho ceifado, outra mãe, outra mãe e outra mãe sem nada, sem corpo, sem restos mortais, sem nada mais...
O medo, tomou forma, era alvo e hediondamente escurecido por dentro, tinha olhos azuis medonhos, lisos cabelos farpados, boca rubra ornada de sangue pueril, coisa que nunca se viu, ou se soube que existiu.
Olhei para mim, e nada vi, só uma sombra errante, uma sombra de vida reprimida, espremida entre o mal e o mal,
e no coração daquele canibal, matar era a coisa mais normal.
Me refugiei na densa bruma, clamei por ele, chamei por Deus...
Deus !
Cadê tu ?
Mamããããe vem me buscar, vem mãe , vem me salvar, não sei sair desse lugar.
Me leva de volta ao útero, me leva pra casa.
Deus, me dá asas !
Cadê meu anjo ?
O sino da igreja não dobra mais, os corpos jazem, é isso que fazem, um mar de gente caminhando para o nada, e nada dizem, nada vêem, nada vezes nada para aqueles que só queriam existir, fluir, amar e evoluir.
O medo, tomou forma, era alvo e hediondamente escurecido por dentro, tinha olhos azuis medonhos, lisos cabelos farpados, boca rubra ornada de sangue pueril, coisa que nunca se viu, ou se soube que existiu.
A sombra consumiu o povo, o povo que não sabia, não sabe e não saberá a força que tem, e aquilo vem levando tudo à sua frente, e as ovelhas dementes, doentes, de coração ausente acreditam que terão o reino prometido.
Quem dera eu não ter nascido, ou quem dera tivéssemos fugido, e em outro lugar vivido, e não conheceríamos aquele, no mal nascido, no mal alimentado, no mal crescido, no mal treinado, no mal doutrinado...
Deus !
Meus !
Teus !
Dormi, para não mais sonhar, não vi a Lua, a rua, só ouvi palavras de ordem naquela desordem de vida, vida espremida,diluída, reprimida, só restos de vida, só restos mortais, do irmão, do padeiro, do irmão do jardineiro, do filho, restos de vidas de um país inteiro.
Autoria ___ Adriana Noronha

quarta-feira, 19 de setembro de 2018


TOMO I


Ela tinha tudo, tudo que um adolescente da época poderia possuir...
Casa cheia de gente, um pai calado que só trabalhava, mas sempre calado, uma mãe cheia de energia, altivez, coragem e acima de tudo orgulho, três irmãs, sete irmãos, um colégio gigantesco, uma piscina olímpica, a Federação das Bandeirantes do Brasil, um curso britânico,o mar,as ondas, a casa na serra, muitos cachorros, dez gatos, uma amiga perfeita de pele branquinha,longos cabelos negros e olhos verdemente verdes, freiras, terço, retiro espiritual, coral na Santa Missa na TV nas manhãs de domingo, um gigante quintal,semana santa, quadrilha e natal,ações de beneficência,uma biblioteca, e também inteligência.
Mas o vento soprou, e pra longe a levou, estrada de chão,calhambeque e baldiação, semi árido, lugar inóspito, nem mar, nem piscina, um "açude" de sal, pessoas alheias, era tudo diferente,na vida daquela menina,lá um irmão, e uma irmã que não lembrava mais não, um algoz sua maior provação, e o seu estímulo em sobreviver, para poder um dia renascer e voltar a viver...
Ela poderia sonhar, e sempre voltar lá, mas suas noites eram dantescas, sombrias,uma sombra que andava na escuridão, passos silenciosos, ligeiros,hálito de dragão, olhos de fogo, alma maligna,uma verdadeira aberração, mas seu terço italiano sempre à mão.
Sentia saudade de seu velho irmão,e falta dos outros que ficavam em seu coração, falta das irmãs que lhes proporcionavam tudo de bom, do lápis ao batom.
Puxa vida, que vida!
,

TOMO II



sexta-feira, 14 de setembro de 2018

O dia amanheceu assim , meio propício ao colorido, e o vuco vuco, das moças lá do Benfica começou cedo, ao som na radiola ,o cantor falava de uma menina que mora na ladeira, aqui nem tem ladeira, ah, isso era só um detalhe, e a música seguia, mas elas, as moças do Benfica nem a ouviam, pois o alvoroço seria por conta da compras de fim de ano, e o seu Brasil havia liberado uma grana bacana para as indumentárias da ceia de natal, e lá se foram elas...
O ônibus parecia mais o expresso do Oriente, aquele da Ágatha, em seus vestidos de cinturas marcadas elas seguiam rumo ao centro, Casa Blanca, Casa da Bordadeira, Casas Pernambucanas, Romcy, A Esquisita, e as lojas de aviamentos mas sortidas, e os tecidos eram escolhidos com muito cuidado e sem pressa, Laise, linhos, brim, opala, sianinhas, fitas, gorgurão, botões, lá vem mamãe, colchetes,,linhas, muitas linhas.
A do meio sugeria, que um pastel com caldo de cana, cairia bem, uma parada na Leão do Sul, e na placa dizia: a zeitona do pastel tem carroço, e lá os rapazes se apraziam em olhares fortuitos direcionados àquelas moças bonitas e prendadas do Benfica.
E de volta a odisséia, lá iam elas cheias de pacotes, embrulhos, sacolas, e no coração a ilusão de vestir os irmãos e a caçula de príncipes e princesas, e nocaminho de volta o contentamento e os planos, de botar a máquina da mamãe para acelerar suas emoçoes.
O dia exaustivo, merecia o descanso, e na noite tranquila, o silencio foi quebrado por uma seresta, onde o rapaz cantava, " você abusou, tirou partido de mim abusou", a luz acendeu e as moças saíram à janela, a lua iluminava a Carapinima, que rendeu-se aos encantos do amor juvenil...
No dia seguinte elas formaram o pelotão dos irmãos, medindo ganchos, pernas, cinturas, mangas ,ombros, e eles deveriam ficar ali em banho maria, à disposição das modelistas, brim nos macacões dos meninos sapatos Bamba, calças boca de sino, sapatos de plataformas e de verniz para os rapazes, vestidos de golas de bico inglês, mangas bufantes, para a menina, sapatos de boneca e meias alvinhas.
Nos vestidos das moças do Benfica, bordados finos, nervuras, anáguas finas, fitas de cetim, e cinturas bem marcadas, decotes comportados,tons pasteis.
E assim crescemos ao redor daquelas que assumiram os afazeres da casa, ajudando a Maria Justa a criar os treze filhos, naquele universo, onde as mulheres comandavam todos e tudo.
E a máquina do tempo, não pode mais costurar aquelas roupas fantásticas e cheias de magia, que um dia nos embalou os sonhos, o sonho de sermos sempre unidos naquelas linhas, traçadas na máquina da união fraterna...

domingo, 9 de setembro de 2018

A menina que era feliz naquele encantado lugar, cresceu numa família gigante e naquele tempo unida.
A menina que morava lá no Benfica, brincava à sombra dos coqueirais, e descansava embaixo da frondosa azeitoneira, árvore que lhe acompanhou durante sua vida feliz, subia no galho mais alto, talvez para alcançar o infinito de sua imaginação.
As vezes lá no alto se escondia, e assim ninguém lhe via, e aquelas folhas verdes oliva lhe camuflavam, e assim a vida fluia.
E num silêncio profundo a menina lá dormiu, do alto do pé de azeitoneira, e lá embaixo a vida corria, e ela dormiu,dormiu e no seu sono profundo, não viu que tudo ali ruiu.
E no seu despertar, chorando acorda a menina, alguém que ela muito amava tão cedo partiu, partiu para sempre, para o infinito, um grito ela ouviu.
Cumade Cirninhaaaa !
Ao levantar os olhos, ela o viu...
Num sonho real, e sua face não era medonha, pois com ele todo dia ela sonha.
Eu vim te abraçar.
E num abraço suas duas almas fundiram-se numa só.
O primogênito não era desse Mundo.
E assim não mais, ela chorou.
E naquela azeitoneira frondosa, que uma mão rude derrubou, ela sempre sobe em seus sonhos.
E lá encontra aquele irmão que sempre amou, e lá sentam-se no galho mais alto, perto do infinito, e muito longe do mundo dos mortos vivos, apenas contemplam a vida que tinham naquele encantado lugar.
Adriana Noronha

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Desistir


O vazio dentro de mim,se assemelha a um barco que tem medo de atracar no cais, mas o mar me chama, ele clama e em lágrimas me derrama, e não me ama.
É um pedaço de mim,
que não me pertence, mas toma meu corpo frio, meu corpo louco,
o meu eu rouco,me toma um pouco do muito, que não sou.
E te digo a mim, tu é quem mesmo ?
Sei não, nasci aqui ao relento, em meio ao vento ,não tenho alento, a lente, a mente, que por hora ri, e noutra chora, e não mora em lugar nenhum.
E eu fico sem jeito, e me deito onde jaz minha alma fria, a brisa me enebria, não tenho guia, eu penso que tu sou eu ou eu sou tudo aquilo,reduzido a nada, na água se foi, ou se esvai, sem nunca ter vindo.
Tento esquecer, que existo, insisto em não ser visto, e da cruz desisto, eu pulo, o muro, a ponte, do trem, não vem, não vou ,não fui, não sou,não ando, rastejo,pelejo, tenho um desejo, só ser ou ser só.
Essa face calada, exilada, amordaçada, amaldiçoada, cansada de viver, sem medo de morrer ,sem medo da porta, pensando na sorte de ser apenas pó, sem nó, sem dó, sem sol, sem sal, sem mal.
Preciso de um sonho, pode ser medonho, mas um sonho, onde eu fuja de mim, e me salve do meu próprio eu, cansei de lutar comigo, sou muito fraco para conter minha força em não querer viver.
Ai vem alguém escondido dentro de mim...
Vai desistir ?
Eu sou tu, e quero morrer vivendo, sofrer de sangue quente, quero estar com meus pés rente ao chão, e não numa lápide eretos, quero sentir meu coração pulsar, quero acreditar, pular no mar, derrubar o muro, atravessar a ponte, viajar de trem, quero ir com você muito além...
Além eu , além tu, além mar.
Vou te ensinar a amar, amar tu, amar eu, a marte, a vênus, a lua, a tua alma linda,seja dessa vida bem vindo.
Aos meus alunos e alunas que lutam com eles mesmos...

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Ei, vem cá,
deixa de digitar
vem vamos ver o tempo,
vamos sentir no rosto a brisa suave do vento.
Vamos lembrar que existe vida, além dessas teclas enlouquecidas
vem dedilhar as coisas reais da vida, vem tocar um violão
sai dessa louca visão cibernética
frenética
sai dessa solidão.
Vem lembrar, da bicicleta, daquele arranhão, do joelho acabado,vem correr na chuva,
lembrar da boneca de pano, do carrinho de rolimã, das brigas inocentes na rua,
da casinha de bonecas, do guisado nas panelinhas de barro, do jogo com bola de meia...
Sai dessa prisão que esta nas tuas mãos, do modelo super top, dos  jogos vorazes, dos nudes de inocentes crianças, tira da tua vida essa lança, nesse mundo virtual nada tu alcança, lança mão dessa terrível aliança.
Vem lembrar dos tempos de criança,
vamos contar aquelas belas estrelas, tu não olhas mais pra cima nem pra frente, só olhas o que te cegas a mente, esta envergando tua coluna, tu faz parte do mundo dos dementes virtuais, tua juventude agora jaz.
Sai desse mundo virtual, vem ver nas ruas o carnaval, do trânsito observa o sinal, vê ao teu redor as pessoas de coração pulsante, vem ser de novo da vida um amante,  sobe naquele mirante, e vislumbra o Sol, a Lua a tua rua, a namorada encantada, vem lembrar dos contos de fada, vem lembrar da vida.
Quando passas por mim, nem um acesso fervoroso, somente um oi naquele dispositvo de última geração, tu é muito importante não tem tempo de sequer olhar e muito pior ler os livros da estante.
Tu tens cinco mil amigos, é super popular nas redes, tuas postagens tem milhões de acesso, tu é um fenômeno de sucesso.
Mas sempre volta pra casa sozinho, quando chega não abre a janela, teu cachorro não late, teu gato se foi, não acendes a luz, não fazes mais o sinal da cruz, e assim tua vida na web é, e tua rede na varanda sempre está vazia, a solidão da modernidade não te deixas sair dessa vibe, sair do involucro de fibras óticas que te cega pra vida.
Ei, vem cá,
deixa de digitar
vem vamos ver o tempo,
vamos sentir no rosto a brisa suave do vento.
Vamos lembrar que existe vida, além dessas teclas enlouquecidas
vem dedilhar as coisas reais da vida, vem tocar um violão
sai dessa louca visão cibernética
frenética
sai dessa solidão.


domingo, 25 de fevereiro de 2018



As moças da casa,aquelas lá do Benfica, muito bonitas e muito prendadas,
aprenderam a ficar cada dia mais alinhadas.
Iam ao centro comprar, linho,crepe, seda, chiffon,algodão de primeira,
linhas, agulhas, fitas de gorgorão,,uma infinidade de aviamentos.
E chegavam saltitantes.
Alguma tertúlia, luarada ou serenata aconteceria...
É naquele tempo era assim, os rapazes faziam serenata, e elas não saiam à janela,senão quebravam o encanto, da noite, e no outro dia apenas olhares na rua, na praça, a caminho da Escola Normal, elas usavam aquelas famosas saias de pregas, que na esquina eram levantadas pelo vento amigo, vento amigo dos rapazes...
Sempre fui invisível, para elas,mas sempre estava a olha-las e admirar-lhes a formosura, e seus dotes de meninas de família, tinha uma loura, outra morena ,uma de cabelos ondulados e castanhos,e outra de cabelos castanhos avermelhados, e eu com um corte moldado no pinico...
Pinico !
Sim, eu em minhas lembranças pueris, tenho uma vaga sensação que colocavam o pinico em minha cabeça,que se moldava direitinho ,pois sou cearense, e o cabelo que ficava de fora era cuidadosamente cortado, e assim tinha aquele corte " clássico ", até o dia em que me rebelei,mas essa é outra história.
E daquela máquina de pedal, que foi o primeiro presente de casada da mamãe,saim maravilhosos vestidos, e todos cinturados, plissados,bordados,com golas estilo Dandy, cheios de romantismo e capricho,
e eu por ali aproveitando as rebarbas, os retalhos, as fitinhas que caiam em pedaços ao chão, e antes mesmo que fosse varridos eles já eram meus.
E assim eu ia tecendo minhas reminiscencias,e fazendo vestidinhos de bonecas,aquelas que me ouviam, conversavam, me entendiam e ainda agradeciam os vestidos meio armengadinhos...
O tempo tratou de espalhar aquelas moças, cada uma criou o seu destino, ou seguiu aquele predestinado pela megera, sempre ela.
Então tive que crescer, também aprendi a bordar, costurar, cozinhar,
mas sempre elas foram melhores.
Então casei com um homem de vergonha, pari e sem ter o que fazer fui estudar, preencher o tempo, cada dia que aprendo, me certifico que ainda nada sei, seria apenas eu mesma, se não tivesse puxado a megera, a cópia fiel daquela que usou a mão de ferro...
Mas confesso, que se fosse de outra forma eu nada seria, sem a maestria daquela brava mulher de nome Justa.
Justamente ela, me transformou naquilo que tenho orgulho de ser .
SER exatamente igual a você minha doce e saudosa mãe megera.
Hoje posso ainda ser invisível, mas sei andar de bicicleta sem as rodinhas.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

A porcelana lá de casa
No dia a dia, ela usava sua melhor porcelana,
mesmo que a comida fosse simples, trivial ou feita às pressas, ou um jantar requintado,a porcelana estava sempre lá.
Um jogo de porcelana, branca com desenhos encarnados,com uma paisagem campestre, que ainda existe numa antiga foto, quando o namorado foi me visitar, à mesa ainda estavam o papai, o Wilame, o Reginaldo, o André, o Rangel, o Michael ,o Marcelino,a Raquel com a primogênita no colo e eu de boca cheia, na nossa antiga varanda, e lá se vão trinta e oito anos.
Um jogo de porcelana branco com faixas douradas ao seu redor, as xícaras sempre tinham pé, para as grandes ocasiões,tipo o casamento da Raquel, que foi um evento maravilhoso, e na mesa o famoso bolo xadrez com recheio de côco e abacaxi.
Um jogo de porcelana branco ornado de laçarotes cor de rosa, o que eu mais gostava, a toalha bordada em ponto de cruz deixava a mesa meio mágica, uma mesa de madeira com pé de ferro, feita pelo papai,e assim vivíamos.
Entre porcelanas, panelas de ágata, serviço completo, nos tempos dourados de nossa juventude, todos ali, todos, pois o infortúnio ainda não havia chegado à nossa porta, mas isso é outra história...
Um pai amoroso, que nunca demonstrou amor, mas sua lida diária provava o quanto cuidava dos treze filhos e filhas, um homem muito calado,sóbrio.
Mas ao retornar num entardecer depois de rodar o mundo de bicicleta com as colegas,assisti uma cena triste, papai estava bêbado de uísque ou cachaça não sei, pois ele não bebia cerveja, dizia que era bebida de pobre, as irmãs a proteger aquela que chamo de megera, três moças com força de mil homens, eu somente assistia e não entendia,
Quem era aquele homem que estava ali ?
Na parede uma silhueta da sagrada família.
A mais inteligente de longos cabelos negros, subjugada nas mãos dele, e a mais valente e popular o segurou, com as mãos de Hércules, a mais doce chorava, e eu só olhava...
Papai !
Não batam nele, ele é o pai de vocês, gritou aquela que era protegida.
E a louça foi ao chão, noventa e três peças, em cacos, e os cacos de almas se esfriaram, ele se foi para seu lugar preferido, sua velha cadeira de couro puro ou de puro couro.
E o choro da mais inteligente, que ficou sem suas belas madeixas negras, crianças tem memória de elefante,e minha ainda permanece cheias de vultos, de gente, algaravia, e vez ou outra uma confusão.
Onde estavam meus oito irmãos ?
Deus os deixou de fora, para que não fossem à forra...
E no outro dia, ele foi ao Romcy, comprar um jogo de porcelana branca, com laçarotes cor de rosa, e de quebra um faqueiro de caixa de madeira, e assim apagou o episódio.
Até hoje me pergunto o que causara tanto furor, naquele que sempre foi um pacato cidadão,
O que havia ali naquele calado coração ?

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Presente da prima LEGÍTIMA...

Quando chego da Bahia, a casa delas fica no meio do caminho, bem próximo ao quintal da Maria Justa, ai a parada é certa...
Quando passamos em frente, grito, RAPARIIIIIIIIGAS ...
E um bucado de mulheres Noronhas saem ao portão, e revidam.
Cachooooorra, volte aqui !
Dou a volta no quarteirão, a paro com a cara mais santa possível, então é alegria sem fim...
Eneida falou .
Noventa trinta e três, cobra e urso, boa milhar, observando a placa do carro.
Elas são as filhas do TiZé,aquele que foi feito na forma de fazer sapo, mas tinha um segredo, entre as mulheres...
E o cafezinho é inevitável.
Elas escondem tudo.
Afinal sempre roubo algo, um SANTO,uma xícara...
E o meu maior sonho, ainda não realizei, roubar o BAÚ da Preta .
E vamos para a varanda do quintal,sentamos à mesa,que fica bem ao lado do cacimbão, um lugar tão bom quando o quintal da mamãe.
E lá vem ela, a Poderosa da casa, aquela que mantém todos unidos, e me traz uma vaso cheio de ovo.
Toma leva pra tu comer...
Foi para mim como ter recebido um presente de muito valor.
Ramirinho disse.
Não precisa Eneida !
Dei um chute no pé dele, por baixo da mesa,e lhe lancei um olhar fulminante.
Ele lógico,tem amor à vida, aceitou.
Naquele momento ,era o que ela tinha a me oferecer, e confesso, foi o melhor presente...
Conversa vai, conversa vem, a noite caiu e fomos, até breve minhas primas.
E passei mais alguns dias no Torrão Natal.
Ao voltar ao meu exílio, os ovos vieram aos meus pés, numa longa e escaldante estrada.
Já na Bahia, ordenei colocá-los na chocadeira.
Ramirinho prontamente obedeceu.
talvez não vingue !
Vinga sim.
São ovos de galinhas cearenses, são fortes, são mágicos, são meu presente.
E hoje ele me veio, com o resultado, seis pintinhos cearenses.
E olha que teve uma pane elétrica e a chocadeira desligou,por um dia.
Num falei, são fortes iguais a nós MULHERES NORONHAS.
E doravante serão dezenas...
Vou cuidar como cuidei de meus filhos.
Aliás vou ter carinho e afeição.
Pois quem me deu foi a Eneida do TiZé.
Minha prima legítima.
Quando estou com saudades de minha infância e juventude,invento uma faxina,ligo o som bem alto, ouço algo do tipo, Dalva de Oliveira, Núbia Lafayete, Ray Conniff,Linda Batista, e o famigerado de voz potente Agnaldo Timóteo ligo a máquina de lavar, encero o chão, varro a varanda, molho as plantas, abro um vinho tinto doce, eu vou bailando pela imensa casa...
E assim posso voltar pra casa, onde não fazia praticamente nada, pois tinha a Raquel Noronha, a Regia Noronha Brasil e a Rogena Brasil que faziam praticamente tudo,acho que eu só estudava, e nadava quatro horas por dia, acho que foi assim que a mame conseguiu criar treze filhos, deixando eles ocupados, muito ocupados ,ai não dava tempo de pensar em besteiras..
Minha tática para que ninguém me pegue talvez chorando, ou com os olhos mareados de saudades, encho uma bacia de cebola roxa, ponho água e começo a descascá-las, e assim posso retornar ao mundo do qual me criei e cresci, subo nas arvores, viajo de trem com meus irmãos camaradas, visto escondidos os vestidos bordados da Rogena, coloco as calças cocota da Raquel, e mexo nos pertences da Régia, pois sempre quis ser uma delas, a primeira a mais inteligente, a segunda a mais doce e dedicada, a terceira a mais popular e destemida...
Então um dia eu cresci, e aí já viu...
Era por minha conta e risco.
Virei namorada, noiva, esposa, e minha pior ou melhor função mãe, pois não agrado a todos, e como uma tábua de salvação resolvi ser professora.
Até que um dia um aluno falou ...
Professora queria que a senhora fosse minha mãe .
Eu lhe respondi .
Queira não, senão você não vai mais me amar !
Seja sempre aquele aluno que vai me amar,por conhecer só metade mim.
Usei a mão de ferro semelhante aquela que fui criada, todas as mães são iguais.
E a Maria Justa mesmo sendo megera, nos salvou a todos...
E quando chega alguém, corro à cozinha e posso chorar à vontade por estar descascando cebolas .
Minha vida ,se melhorar estraga.
" se algum dia a minha terra eu voltar ..."

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

De vez em quando, ela foge do Mundo em que vive.
E em seus sonhos volta ao Mundo das boas coisas das boas coisas.
E em seus sonhos, consegue fugir daquele lugar dantesco,
se afasta de gente de baixa estatura,e de grande prepotência,
sai de perto daquela criatura que anda no escuro da noite escura...
De cima do muro vê.
As arvores cheias de doces frutos,
o amanhecer cheio de vozes macias, risos espontâneos,
o som do trem ao longe,o chit chit da panela de pressão,
cozinhando o feijão, o cheiro do café atravessando a rua,
o vuco vuco da meninada,o gosto da goiabada, o pão quente,
a mesa gigante cheia de gente, cheia de vida, cheia de encanto.
De vez em quando ela foge do Mundo em que vive.
Um lugar inóspito que mais parece um grande Hospício, sem mar, sem flores, cheio de muitos ardores, gente que finge que não finge, gente demente, que diz a verdade mas somente, mente.
E ainda existe aquela asquerosa criatura, criatura ambulante de passos terrivelmente macios e silenciosos, na escuridão da infinita noite, noite de terror, noites de horror...
De vez em quando ela foge do Mundo em que vive.
Numa noite ela avistou um cavaleiro num cavalo alado, que à luz da Lua, ficou levemente prateado.
Estaria a menina sonhando ou sonhando estaria ?
E ele a olhou, e por ela se enamorou, e aquele lugar, se tornou mais fácil de viver, mais fácil de vencer o mal, de se sentir que ela podia ser a tal, e tal e qual foram vivendo,e a vida florescendo e o amor crescendo.
Mas nada no Mundo é perfeito, e de vez em quando ela foge do Mundo em que vive, e vai viver sua feliz vida de criança.
Vociferando

Foi assim que ele a viu...
No fogo do coração cheio de ódio,
foi assim que seu rebento a viu.
No fogo do coração cheio de ódio,
ele não viu a mãe,
ele viu uma hedionda criatura
viu seu algoz,viu aquela do útero farpado,
viu aquela do leite envenenado,
ele viu o mal..
E com seus olhos cheios de fogo
olhou a bestial criatura,
e se benzeu.
Se benzeu três vezes,três vezes se benzeu.
e a Deus, da Belzebu, pediu proteção.
E a hedionda criatura saiu, fugiu
teve medo daquele coração cheio de ódio,
e se encheu de dor, a dor do amor,
do amor unilateral...
O de coração cheio de ódio,atira todas as pedras,
atira todas as lanças, atira todas as ferinas palavras,
e atira a mãe num poço imundo e profundo.
O de coração cheio de ódio, é perfeitamente perfeito
criatura magnânima, um anjo de candura,
uma criatura de alma pura.
Quando ele a olhou,se benzeu três vezes,
três vezes se benzeu,
aquele olhar cheio de ódio,não viu a mãe
viu a Besta Fera.
Ela se olhou no espelho.
E se indagou !
Sou eu mesma,a própria Besta ?
Sou eu mesma ?
Ou sou ela ?
A Besta Fera!