sábado, 27 de julho de 2019



Ciço, o mirim
Meu irmão Reinaldo era alto, louro, robusto e bonito, quando colocava suas calças boca de sino, camisa de crepe branca, sapatos plataforma cuidadosamente engraxados e brilhantes,cabelos ao vento, se aprontava assim, muito alinhado para ir às Tertúlias do Naútico Atléico Cearense, ele fazia o maior sucesso entre as moças da elite. Mas no fim da festa que tocava The Pops,o bonito rapaz voltava pra casa de ônibus, saía na madrugada no fim do baile e ia ao ponto pegar o Parangaba Circular, pra voltar pra Carapinima. 
No momento de descer, viu uma criança a dormir no fundo do ônibus, não pensou duas vezes, pegou a criança no colo e levou pra casa. E lá chegando a Maria Justa estava a sua espera.
Olha mamãe, o que eu achei !
Reinaldo !
E ao amanhecer aquela criança foi uma sensação, sete, oito anos talvez, minha idade, o André tinha cinco, virou nosso irmão,só tinha uma diferença, ele era negro, mas a escola era mesma, mesmo clube, bicicleta, brincadeiras, roupas, páscoa ,natal, casa da serra, onde nós estávamos ele também estava, seu nome era Ciço, de Cícero, o padre, nosso quintal era nosso lugar.
O ano era 1969, 1970, e assim fomos crescendo juntos, feito três irmãos, os treze filhos viraram quatorze, e a vida fluiu, até que depois de quatro anos Ciço evaporou, sumiu, saiu e não mais voltou, meus irmão o procuraram, não encontraram, a nossa tristeza foi grande. 
O tempo passou, novas luas vieram, a brisa da noite não mais o trouxe pra nós, e deixamos de ser crianças para crescer um pouco mais, não tanto, só um pouco...
Quando saia da Escola Doméstica São Rafael, eu esticava as canelas pela Imperador, passava pela Tristão Gonsalves, pegava a General Sampaio e chegava ao Romcy, entrava na Samasa, dava uma olhadinha na Esquisita, Lobrás, tomava um caldo de cana com pastel na Leão do Sul, atravessava por dentro das Lojas Americanas, apressando o enxoval do noivado com um baiano, e voltava pela Guilherme Rocha para a Praça José de Alencar, ia pegar o amarelinho Jardim América,pois me deixava na porta de casa, na Carapinima, que tinha virado José Bastos, por conta do progresso que levou muitas casas de vizinhos e amigos, deixando um viaduto onde ora eram aquelas casas.
Andando absorta em meus sonhos e pensamentos...
De repente ouvi.
Cumade Cirninha !
Parei, olhei ao redor.
Quem me chamou pelo meu apelido ?
Minha irmã !
Adriana, cadê o Andlé ?
E diante de meus incrédulos olhos.
Um rapaz alto, musculoso, de roupas ordinárias, pele escura e dentes muito alvos, ornando um sorriso inconfundível..
Ciço !
Meu Deus, Ciço. 
E o meu coração disparou em alegria.
E instintivamente abracei meu irmão de cor, uma moça de família abraçando um mirim, era a imagem que viam os transeuntes.
Eu, abraçava meu irmão.
Tu fugiu, sumiu, desapareceu. Por quê ?
Eu sou do mundo, adorava vocês, mas não me adaptei, e voltei.
Quantos anos ? Dezesseis. E tu ? Dezessete tou perto de morrer. 
E Ciço chamou seus parceiros e avisou.
Gravem a cara dela, quem triscar morre !
Eu mando aqui e na Praça da Estação, venha sem medo, minha irmã.
Nos despedimos num longo abraço, talvez para sempre, e uma noite a assistir a Verdes Mares, Nazareno Albuquerque anunciava a morte do mirim mais famoso do centro da cidade, sob o comando de Assis Bezerra, sucumbia mais uma criança, que só queria ser feliz.
Adriana Noronha.
Ser uma moça de família lá no Ceará dava trabalho, e quando essa moça tinha oito irmãos,aí sim piorava o X da questão, sempre tinha aquela vigilância... Ou melhor dizendo aquele cuidado.
Lá no Benfica o Sol insistia em nos acordar cedo demais,logo já eram seis horas da madrugada, o som dos pneus no asfalto da Carapinima faziam menos barulho que as alpercatas do papai, pra lá e pra cá, o tilintar das panelas láááá na cozinha, de vez em quando caía uma tampa de panela no chão, Ah quase ia esquecendo, a mamãe tinha uma leiteira que não derramava o leite, a leiteira apitava, piiiiiiiiiiiiiiiiiiii, a rapaziada saltava das redes, as moças saiam das redes lânguidamente, e nós os pirralhos éramos simplesmente derrubados, ACORDA...
E a lida diária começava, todos aos seus caminhos, as moças normalistas com suas saias grená, blusas brancas e meias 3/4 seguiam para o Justiniano de Serpa, pegavam seu ônibus ali na frente da Motoclínica que ficava na avenida da Universidade com Padre Cícero, seguiam em linha reta, desciam na Praça José de Alencar, pegavam a Guilherme Rocha, e na esquina do Excelsior Hotel o vento fazia um grande favor aos rapazes que seguiam para o Colégio Militar de Fortaleza, levantava a saia grená de listras brancas e paralelas,deixando suas faces rubras de rosa, uma sensação para os galanteadores sortudos. 
As normalistas eram lindas, moças prendadas que já possuíam suas paixões guardadas no coração, e no colégio que formava professoras, muitos corações enamorados, num colégio só para moças, ouviam-se muitos suspiros.
Aquela que tinha a sorte de namorar e noivar, tinha o árduo desafio de bordar o enxoval, exigência da mãe e das tias, e o tempo livre era dedicado às linhas, agulhas, etamines, cambraias, tecido de puro linho um ponto, um nó, outro ponto, e de suas mãos surgiam o encanto, o bordado pronto, ia pra bacia,água limpinha, sabão Pavão de côco, eram mergulhados num mingau feito de goma, estendido no varal e depois de secos um ferro à brasa com gotas de patchouli, abrilhantava os lençois com monogramas, toalhas de mesas temáticas de natal, páscoa, São João, panos de pratos, estolas, enxoval pra noivo nenhum botar defeito.
E assim elas cumpriam o seu ritual, e todas as moças daquela casa casaram, e o ritmo seguia, para cada uma que se apaixonasse não tinha como escapar de virar uma bordadeira cearense, e naquele tempo as serestas surgiam ao anoitecer, violão à luz da Lua, ali no meio da rua, em plena Carapinima, os rapazes cantavam suas melodias para as meninas.
Um dia um rapaz apaixonado pela mais velha cantou Always in my hearth, o marmanjo cantou em inglês, até o papai apreciou,e a Lua brilhou mais dourada naquela noite, lá dentro de casa as moças inebriadas com a audácia e astúcia do jovem e belo oficial, aliás aspirante, que também aspirava casar-se com a mais bonita.
E tudo silenciava para ouvir aquela canção de amor, até as lâmpadas dos postes ficavam a meia luz, para não ofuscar o brilho da Lua, a harmonia da rua, a brisa vinha suave, o amor fluía e invadia tudo e todos sentiam o prazer de viver nos bons tempos de outrora, os rapazes se retiravam quase ao amanhecer da aurora.
Mas o tempo veio, soprou pra longe aquela moça de longos cabelos dourados, foi estudar na melhor universidade longe dali,e aquele fado encantado ecoa em suas lembranças, dos bons tempos de menina moça, cheia de encanto e esperança, tudo acontecia ali bem pertinho, lá na Carapinima...


Natal na Carapinima
O dia amanheceu assim , meio propício ao colorido das luzes de Natal, e o vuco vuco, das moças da Carapinima, lá no Benfica começou cedo, ao som na radiola ,a canção falava assim " menina que mora na ladeira,passa, passa, passa e desce a ladeira sem parar ". 
Mas lá nem tem ladeira !
Ah, isso era só um detalhe, e a música seguia, mas elas, as moças do Benfica nem a ouviam, pois o alvoroço seria por conta da compras de natal ,de fim de ano, e o seu Brasil havia liberado uma grana bacana para as indumentárias, e para a ceia de natal, e lá se foram elas...
O ônibus escolhido foi o amarelinho Jardim América Centro, isso mesmo, tínhamos o luxo de escolher qualquer um, em nossa porta passavam vários, e as moças bonitas em seus vestidos de cinturas marcadas, seguiam rumo ao centro lá na Praça José de Alencar desceram, e começaram a bater perna, na Casa Blanca comprariam os tecidos,e assim seguiu, Casa da Bordadeira, Casas Pernambucanas, os brinquedos lá no Romcy, A Esquisita os sapaaaaatos, Samasa tinha utensílios domésticos, e as lojas de aviamentos mas sortidas, e os tecidos eram escolhidos com muito cuidado e sem pressa, Laise, linhos, brim, opala, sianinhas, fitas, gorgurão, botões, lá vem mamãe, colchetes,,linhas, muitas linhas.
A do meio sugeriu, que um pastel com caldo de cana, cairia bem, uma parada na Leão do Sul tradição e paquera, e na placa dizia: a zeitona do pastel tem carroço, e lá os rapazes se apraziam em olhares fortuitos direcionados àquelas moças bonitas e prendadas do Benfica.
E de volta a odisséia, lá iam elas cheias de pacotes, embrulhos, sacolas,sem esquecer de passar no Mercantil São José e comprar o peru, uvas passas,e os apetrechos da mesa natalina, e no coração a ilusão de vestir os irmãos e a caçula de príncipes e princesas, e no caminho de volta o contentamento e os planos, de botar a máquina da mamãe para acelerar suas emoções.
O dia exaustivo, merecia o descanso, e na noite tranquila, o silêncio foi quebrado por uma seresta, onde o rapaz de nome Saraiva cantava, " você abusou, tirou partido de mim abusou", a luz acendeu e as moças saíram à janela, a lua iluminava a Carapinima, que rendeu-se aos encantos do amor juvenil...
No dia seguinte elas formaram o pelotão dos irmãos, medindo ganchos, pernas, cinturas, mangas ,ombros, e eles deveriam ficar ali em banho maria, à disposição das modelistas, brim nos macacões dos meninos, sapatos Bamba, calças boca de sino, sapatos de plataformas e de verniz para os rapazes, vestido de gola de bico inglês, mangas bufantes, para a menina, sapatos de boneca e meias alvinhas.
Nos vestidos das moças do Benfica, bordados caprichados, nervuras, anáguas finas, fitas de cetim, e cinturas bem marcadas, decotes comportados,tons pasteis.
E assim crescemos ao redor daquelas que assumiram os afazeres da casa, ajudando a Maria Justa a criar os treze filhos, naquele universo, onde as mulheres comandavam todos e tudo.
E a máquina do tempo, não pode mais costurar aquelas roupas fantásticas e cheias de magia, que um dia nos embalou os sonhos, o sonho de sermos sempre unidos naquelas linhas, traçadas na máquina da união fraterna...
Fortaleza minha
Meu sonho é voltar pra casa ...
Mas onde ela esta ?
Ali na Carapinima, lá no Benfica,mais precisamente em Fortaleza, no meu Ceará...
Eu andaria pelo trilho com meus irmãos e irmãs , subiria novamente naquele gigante
vermelho , chamado trem, que saía do AtarBonfim, iria pra Maracanaú, e naquela cadência das rodas de ferro nos trilhos, embalaria de novo meus bons momentos de menina feliz,ao chegar lá.
Pularia do trem, e cairia de novo , tentando imitar meus irmãos ao chegar
à estação .
E ao chegar ao portão de minha casa, viria os meus irmãos e irmãs , avelha placa da oficina , O Chico Brasil , ainda estaria a balançar junto com o vento ...
Minha bicicleta estaria a me esperar , para as ruas asfaltadas mais distantes desbravar , e ir direto ao mar , amar o mar o meu verde mar ...
Mergulharia naquelas brancas ondas , sentiria de novo o calor intenso , e
a minha pele bronzear .
E lá na escola , desfilaria feliz com meu sapato de boneca preto e brilhante ornado de meias alvinhas, diante de minhas arqui inimigas , e vigiaria as amigas fumando durante o recreio, em cima do pé de jambo .
Abraçaria a própria irmã Ana Maria.
Ela era mesmo uma megera, ou eu é que seria a fera ?
Ah ! Acho que não , eu só era , feliz ...
Me escondia atrás do piano , fazia xixi na piscina ,na sala de aula me concentrava só quando precisava, no ginásio jogar, mas se queria me salvar , era na capela que ia orar , só Deus e eu .
Na volta pra casa Imperador sentido Carapinima, o trânsito fervia e fluía,sempre na bicicleta de cestinha Jeans,as vezes um assobio, um transeunte falava gostooosa, um carro ou outro buzinava, e as vezes um carro parava e deixava eu seguir...
E lá em casa, me esperava o melhor feijão, carne de primeira, arroz com cenoura,macarrão ao alho e óleo e suco da fruta da goiabeira .
Minha mãe alegre e satisfeita olhando todos os bons frutos da sua colheita, chegando um por um,do preferido ao caçula.
E aquele cheiro do Cubano que saía da caixa de madeira e ia relaxar o Brasil , o Seu Brasil ,o papai, que após o almoço tirava um cochilo em sua cadeira de couro e madeira ...
Meu sonho é voltar pra casa
Mas ela não esta mais lá .
O tempo passou , uma brisa a levou , e com a brisa se foram os tempos de paz,
se foram todos , todos .
Se foram nós .
E o que foi uma vez uma vida ...
Transformou-se numa aventura, de atravessar fronteiras e talvez lá não chegar,por conta da maldade humana, que nos priva de voltarmos ao nosso encantado lugar.
Devolvam o meu Ceará.
Tirem das trevas a Terra da Luz.
Adriana Noronha
Tudo outra vez
O tempo veio, o tempo foi, me fez crescer, e pra longe me levou, um dia asaudade me empurrou de volta.
Ei, eu vou ali.
Vou fazer meu coração pulsar alegre, vou lá no Ceará...
E fui.
Mas ao chegar eu vi a minha casa no chão, a casa em que cresci , lá naCarapinima, cheguei tarde e não deu tempo de pegar um pedaço sequer do reboco ou um caco de telha, ela ruiu,não achei nada mais não.
Onde ficaram as panelas,
as cadeiras,o baú da vovó,
os livros e a nossa Enciclopédia,
e as minhas bonecas de pano,
a lata da farinha, do feijão,
o fogão,
a mesa gigante onde a mamãe nos serviu o leite e o pão,
o pé de jambo ,
o cajueiro,
a azeitoneira onde subia todas as noites a sonambular,
os pés de coqueiros que sustentavam as roupas da meninada no nosso imenso e colorido varal ?
Meu Deus, cadê eu, minhas irmãs e meus irmãos !
A oficina do Seu Brasil !
Senti um calafrio e calei , mas queria mesmo era gritar,berrar.
Então só fiz chorar, e minha ausência lamentar.
Um algoz chamado progresso em forma de metrô matou o trem do Otávio Bonfim e engoliu vorazmente um micro mundo em beneficio do mundo macro .
Mas posso reconstruir tudo outra vez ,
a algaravia e as arengas da meninada,
o cheiro delicioso do café, do leite e do cuscuz que vinha da cozinha,
os latidos misturados aos miados dos gatos ,
ouvir, Menina da ladeira na radiola,
ver o florescer das papoulas,
subir e arrancar as frutas das árvores ,
ouvir o som do sino da igreja de Nossa Senhora dos Remédios a nos chamar a rezar .
As brincadeiras de roda,o pega pega,
as estórias de terror contadas no escuro do quintal ,
a vela acesa dentro da lata ,
o balanço no cajueiro indo e vindo ,
o coral do ronco de todos a dormir ,
o terço gigante pendurado na parede ,
o presépio, a arvore enfeitada com algodão.
E o melhor de tudo andar pela nossa casa de paredes alvas e cheias de desenhos infantis pueris ,
,roubar as garrafas de cajuína que curtiam no telhado,
entrar pelas portas sem ferrolhos pois nada ficava trancado.
Eu fecho os olhos e colho tudo de bom que lá existiu ,
felicidade assim nunca se viu ,
minha vida não se perdeu e tudo que vivi foi o que valeu ,
e lá no Benfica, eu começaria tudo outra vez ...
Adriana Noronha .
Nos tempos de criança, éramos treze, de uma prole de quatorze filhos e filhas do Seu Brasil e da Dona Maria Justa, lá na Carapinima.
Hoje adulta descobri como a mamãe, pode criar tantos meninos e meninas.
De manhã papai saía pela casa a arrastar sua alpercatas, para nos acordar, eram quinze redes espalhadas por ordem de hierarquia, e ao levantar tínhamos que enrolar as redes, para nossos anjos da guarda levantarem também junto conosco.
A correria ao banheiro era grande, e também existia a separação de classes, primeiro as moças, depois os rapazes, e por último nós os pirralhos...
Enquanto havia uma grande algaravia entre nós, lá da cozinha, os cheiros que nos encantava tomava conta da casa, da rua, da vizinhança, uma toalha de Ana ruga vermelha cobria a grande mesa, café leite, pão, cuscuz, mingau de carimã, e o horrível e obrigatório mastruz com leite,eeeeeca, se quissésemos, morrer era só não beber...
E todos seguiam seus destinos, e o meio dia passava rápido, e de novo o mesmo alvoroço no almoço, depois fazer as tarefas da escola, e as de casa, era muita coisa pra arrumar, os homens varriam o imenso quintal, as moças lavavam as roupas, muita água, sabão e um imenso e psicodélico varal, a farda do primogênito tinha um lugar especial, secava á sombra do bambuzal.
E ás cinco da tarde todos á postos sob o comando do artista da casa o Reinaldo, sungas, maiôs olímpicos, toalhas na mochila, saímos pela Avenida da Universidade, pelo fundo do nosso encantado quintal, pulávamos a calçada do Mira e Lopes, ordem da mamãe, senão os doidos podiam nos puxar lá pra dentro. E ai pioraria a situação deles, pois loucos éramos nós...
Nos benzíamos em frente a igreja de Nossa Senhora dos Remédios.
Quebrávamos á esquerda na Reitoria, e seguíamos em fila indiana pela Treze de Maio, um brincava dali, outros corriam deixando os pequenos por último, e esperavam na esquina da Concha Acústica com a rua Nossa Senhora dos Remédios, e faziam RÁÁ, susto da porra, ai que ódio...
Antigamente as pessoas eram de bem.
Hoje são de bens !
O padeiro deixava o pão nos muros que eram seguramente baixos, e o leiteiro fazia o mesmo ritual, e no muro ficava até o jornal.
E assim seguíamos, em frente, Praça da Gentilândia, EscolaTécnica Federal do Ceará, pegávamos a calçada do Touring Club, e andávamos em paralelo ao 23 BC, e dobravámos para o Maguary.
Cujo Diretor era o meu padrinho o homem mais lindo de Fortaleza, Oscar carioca Alencar.
A bença meu padrinho !
Deus te abençoe, Cumade Cirninha.
E pulávamos na piscina para treinar até as oito horas da noite, sem parar pra descanso, e suávamos dentro d'água.
Depois de volta pra casa, moídos, cansados e famintos, a fila ia se arrastando de volta, ai Meu Deus, como nossa casa ali pertinho, tinha ficado lá longe...
Voltando ás avessas, Touring Club, Escola Técnica Federal,Pracinha da Gentilândia, e um quarteirão razoavelmente pequeno, e naquela casa de esquina de muro baixo, um pacote de pão da Panificadora Ideal, duas garrafas de vidro com leite, o Jornal O Povo,e o Tribuna do Ceará, ali no muro intactos, desde a hora em que fomos pro Maguary...
Nos olhamos assim ressabiados, e embebidos em nossa fome, viramos inocentes jovens meliantes.
Vão na frente, corram e me esperem na outra esquina.
Falou o Reinaldo !
E assim fizemos, corremos...
E lá vem ele com pão, leite, e muita informação, no caso dos jornais.
Sentamos no gramado da Reitoria e degustamos a prova do nosso crime corporativo.
Bora negada !
E no caminho de casa, um lembrete, um lembrete de vida ou morte !
Segredo de Estado.
Se descobrirem nossa subversão, o Willame vai ser expulso do Colégio Militar de Fortaleza...
E nós banidos para o Paulo Sarasate.
E se a mamãe descobrir, vamos juntos pro inferno.
E hoje completam-se quarenta e sete anos de nossa doce vida de bons delinquentes mirins.
Essa era a minha Antiga Fortaleza.
Minha Fortaleza Antiga...
Adriana Noronha
Carapinima
A menina de uma prole de quatorze filhos era a número treze, sendo assim quase caçula, filha de mãe dominadora era quase nula dentro daquela casa, pois haviam outras quatro moças mais bonitas, não sabia ela, que era tão bonita quanto.
Sua maior sorte, o Colégio de Freiras que tinha a mais fina flor do High Society da capital Alencarina, portanto a menina frequentava só bons lugares, farda impecável, suas meias brancas ornadas no belo sapato de verniz preto, e assim ela saia da sua clausura e flanava nas vias asfaltadas que a levavam ao colégio.
Sua casa ficava na Carapinima, era filha do melhor mecânico do Benfica, o famoso Seu Brasil, mas sua mãe megera dizia que mecânico era a pior raça que existia, apesar de ter um lindo pai, moreno, alto, cabelos negros, corpo esguio e semblante de artista Hollywoodiano, sempre que indagada pela profissão do pai, falava que era engenheiro mecânico, e assim seguia sua vida de semi princesa de província tupuniquim.
E num belo dia uma colega lhe ofereceu carona, e ela prontamente recusou.
Obrigado, para vocês é contra mão.
Faço questão ! Disse o lindo irmão de Valdimary.
Pronto e agora ?
Mas vocês moram no bairro de Fátima !
E eu na avenida da Universidade
Não tem problema, desço a Imperador, sigo pela Carapinima, passo por baixo do viaduto de cimento da José Bastos, dobro na Padre Cícero passado pelo viaduto do trilho, faço a volta e pego a avenida daUniversidade...
Quando dei por mim estava, no Corcel II azul celeste, eitha vou passar em frente de casa, e assim foi, no cruzamento da Treze de Maio aCarapinima...
Posso descer aqui.
De jeito nenhum, moça direita se entrega na porta.
No rádio sintonizado na Verdinha, tocava Conversation do Morris, e o lindo rapaz a me olhar pelo espelho,me deixava rubra de rosa, foram instantes de magia, ô minino lindo.
Passamos em frente a Motoclinica, acordei do transe, quando indagada pelo endereço, passamos a Antenor Frota Vanderlei, falei, vá devagar, e pare nessa casa rosa ciclame...
Desci e fiquei ao portão, agradeci, e aguardei a arrancada do Corcel, dei um aceno em agradecimento,e ufa...
E me recompus do sonho cor de rosa e segui para casa, apenas uns cem metros me separavam daquela maravilhosa casa, de propriedade o Dr. Roberto que levava seu Ford Maverik V8, pro papai dá um trato de primeira...
E Hoje já crescida, constatei que o melhor lugar do Mundo, é a casa que vovô morou, que meu pai herdou e deixou pra nós, e o seu Brasil o melhor mecânico do Benfica formou, enfermeiras, professores, professoras e doutoras consertando carros de pobres homens ricos.
Seu Brasil tenho o maior orgulho de ter nascido sua filha,e lá se vão quarenta anos e sempre que posso volto ao nosso quintal encantado, que tem até palmeira imperial.
A menina que morava na Carapinima
Mais uma história da menina que morava lá na Carapinima, aquela, a número doze da prole de treze filhos do mecânico casado com a fidalga loura e charmosa lá de Redenção, antiga Vila do Acarape, que casou com o amor de sua vida, mas a fazenda não herdou...
E assim começou nossa saga, o Seu Brasil era alto, magro, esguio e muito inteligente, mas era só mecânico, e que mecânico...
A menina da Carapinima tinha tudo de bom, além de doze irmãos, dez cachorros e doze gatos lá naquele quintal gigante, tinha uma casa razoavelmente grande, ali entre o novo viaduto da Zé Bastos e o viaduto da Pade Ciço...
A Avenida da Universidade era no fundo do seu quintal, e lá não tinha portão, os irmãos pulavam o murro, mas as moças não, elas tinham que arudiar, pela Antenor Frota Vanderlei, para pegar o Parangaba Aldeota, para ir pra natação lá no BNB Clube, ir pra Escola Normal Justiniano de Serpa, ou passear lá no Center Um, salvo engano o primeiro shopping de Fortaleza.
Numa tarde de sábado foi com as amigas ao cinema, e lá encontrou-se com uma prima rica, que só andava no high society, e ao lado dela um vizinho lindo, que morava na Fiúza de Pontes, alto,moreno,o cabelo era duro, mas isso era só um detalhe, no resto o menino era lindo, e carioooca, chique.
Os olhos cor de mel, uma cor que nenhum vivente possuía, eu estava com um vestido de linho bordado, cheio de florzinhas na barra, cintura fina, saia farta, e debruns em ton sur ton lilás, as outras mais modernas de calça cocota, e blusas frente única, mas eu adorava aquele vestido, detalhe, não era meu, era da Rogena Brasil a irmã intelectual, que estudava na UNIFOR, mas usei por uma boa causa.
Era ruim ir pro cinema no Center Um, lá não tinha pastel com caldo de cana na saída, tinha era BANANA SPLIT, MILK SHAKE, BATATAS FRITAS.
Égua, sem pastel nem tem graça !
Aqui só tem gente da auta sociedade ! falou a Silvia...
ALTA sociedade ! falei.
Foi o que eu disse .Tá bom !
Abel era o nome do bonitão de treze anos quase dois metros, igual daquele que na Bíblia era finado.
O mais bonito gostou foi de mim, pagou o lanche, e queria pagar o fliperama, nem gostava disso, mas era moda, e a gente tinha que entrar na onda.
E a tarde começou a cair.
Bora meninas, vamos perder o Parangaba das cinco, eitha vamos para o ponto...
Você assim, não combina com ônibus...
Hoje o motorista foi levar meu pai pra jogar tênis lá no Naútico Atlético Cearense, por isso vou de ônibus, eitha exagerei na mentira.
Eu levo vocês !
Precisa não.
Meu motorista já está esperando.
Pronto, as meninas todas entraram no Landau, e foram descendo uma a uma, e eu por sorte fui a última.
E agora ?
Pode parar, é ali, naquela casa rosa...
O menino era lindo,mas não era pra mim não, muito moderno, muito rico, e eu também fiquei rica naquele dia, quando parei em frente à casa do Dr. Roberto e esperei ele sumir rumo a Aldeota.
Alde Aldeota tô batendo na porta, sou da América, eu sou da lata do lixo eu sou do lixo da aldeia, eu sou do Ceará.
Era assim que a vida dos adolescentes dos anos setenta fluia, assim a gente vivia, assim fomos felizes de um tempo bom, um bom tempo que não volta mais...

sábado, 13 de julho de 2019


tuas águas salgadas banham aquele pobre lugar.
E assim tu esqueces o teu abandono,
pois tu só tens um dono quando tua água transborda.
Uma chuva noturna, vem calma e fria, e ao amanhecer do dia
o pacato povo, o povo pacato te invade cheio de alegria.
E tuas águas perpassam por baixo daquela ponte, causando emoção em quem te viu seco durante aquele tórrido verão.
Aqueles que não conhecem o mar,
contentam-se em um pequeno barco te navegar.
E todo azul do céu, se mistura nas tuas águas mágicas,
rasas e salgadas,
o tempo vai ,
o tempo vem,
ás vezes te ofertam flores
o açude seca
enche
transborda
chega perto
da porta
da velha Tapera,
vê aquela
morena bela,
então recua,
e deixa a morena
sentada na tua margem
apreciar o reflexo da lua
nas tuas águas
salgadamente encantadas.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Ser uma moça de família lá no Ceará dava trabalho, e quando essa moça tinha oito irmãos,aí sim piorava o X da questão, sempre tinha aquela vigilância... Ou melhor dizendo aquele cuidado.
Lá no Benfica o Sol insistia em nos acordar cedo demais,logo já eram seis horas da madrugada, o som dos pneus no asfalto da Carapinima faziam menos barulho que as alpercatas do papai, pra lá e pra cá, o tilintar das panelas láááá na cozinha, de vez em quando caía uma tampa de panela no chão, Ah quase ia esquecendo, a mamãe tinha uma leiteira que não derramava o leite, a leiteira apitava, piiiiiiiiiiiiiiiiiiii, a rapaziada saltava das redes, as moças saiam das redes lânguidamente, e nós os pirralhos éramos simplesmente derrubados, ACORDA...
E a lida diária começava, todos aos seus caminhos, as moças normalistas com suas saias grená, blusas brancas e meias 3/4 seguiam para o Justiniano de Serpa, pegavam seu ônibus ali na frente da Motoclínica que ficava na avenida da Universidade com Padre Cícero, seguiam em linha reta, desciam na Praça José de Alencar, pegavam a Guilherme Rocha, e na esquina do Excelsior Hotel o vento fazia um grande favor aos rapazes que seguiam para o Colégio Militar de Fortaleza, levantava a saia grená de listras brancas e paralelas,deixando suas faces rubras de rosa, uma sensação para os galanteadores sortudos.
As normalistas eram lindas, moças prendadas que já possuíam suas paixões guardadas no coração, e no colégio que formava professoras, muitos corações enamorados, num colégio só para moças, ouviam-se muitos suspiros.
Aquela que tinha a sorte de namorar e noivar, tinha o árduo desafio de bordar o enxoval, exigência da mãe e das tias, e o tempo livre era dedicado às linhas, agulhas, etamines, cambraias, tecido de puro linho um ponto, um nó, outro ponto, e de suas mãos surgiam o encanto, o bordado pronto, ia pra bacia,água limpinha, sabão Pavão de côco, eram mergulhados num mingau feito de goma, estendido no varal e depois de secos um ferro à brasa com gotas de patchouli, abrilhantava os lençois com monogramas, toalhas de mesas temáticas de natal, páscoa, São João, panos de pratos, estolas, enxoval pra noivo nenhum botar defeito.
E assim elas cumpriam o seu ritual, e todas as moças daquela casa casaram, e o ritmo seguia, para cada uma que se apaixonasse não tinha como escapar de virar uma bordadeira cearense, e naquele tempo as serestas surgiam ao anoitecer, violão à luz da Lua, ali no meio da rua, em plena Carapinima, os rapazes cantavam suas melodias para as meninas.
Um dia um rapaz apaixonado pela mais velha cantou Always in my hearth, o marmanjo cantou em inglês, até o papai apreciou,e a Lua brilhou mais dourada naquela noite, lá dentro de casa as moças inebriadas com a audácia e astúcia do jovem e belo oficial, aliás aspirante, que também aspirava casar-se com a mais bonita.
E tudo silenciava para ouvir aquela canção de amor, até as lâmpadas dos postes ficavam a meia luz, para não ofuscar o brilho da Lua, a harmonia da rua, a brisa vinha suave, o amor fluía e invadia tudo e todos sentiam o prazer de viver nos bons tempos de outrora, os rapazes se retiravam quase ao amanhecer da aurora.
Mas o tempo veio, soprou pra longe aquela moça de longos cabelos dourados, foi estudar na melhor universidade longe dali,e aquele fado encantado ecoa em suas lembranças, dos bons tempos de menina moça, cheia de encanto e esperança, tudo acontecia ali bem pertinho, lá na Carapinima...
Chuva
Os ventos fortes
o céu sem nuvens
uma abóbada azul...
Um mar, o mar ele nunca viu,
ele só conhece um mar de preces
um rosário na mão,
e uma oração no coração.
Não chove, a barra não vem,
as torres não se formam,
lá no céu só covinhas de anjo
o tempo passa, passa e passa
O tempo vai
e ela não chega
ela não vem.
E assim ele aboia o gado faminto
seu canto é um lamento
a morte levou seu jumento...
Seu gibão de couro
endurece suas carnes
seu corpo arde
arde ao Sol
no calor do sertão.
E o vaqueiro insiste em viver
espera um dia vencer
e espera um dia
Deus fazer chover.
E como um Cristo na sua cruz
leva sua vida num mundo
cheio de luz.
Luz quem em seus sonhos
será engolida
pela melhor coisa de sua vida,
a água que vem dos céus.
E enquanto espera
ele enxuga as águas
que descem de seu suor
suor de homem do sertão.
Lá no nosso quintal encanto era assim, se quiséssemos ver as estrelas ou a Lua, tínhamos que subir nas árvores e subir no galho mais alto, afastar as folhas e assim contemplar o céu, as estrelas e ver o brilho da Lua.
Nosso telhado era o verde de nossas enormes árvores, e algumas sustentavam nosso varal de roupas, e eram realmente muitas.
Vestidos bordados no linho,as calças de tergal azul,da escola, o uniforme do exército,as roupas do Seu Brasil, lavadas separadas por conta da graxa.
O Sol mais audacioso ,mostrava seu poder e adentrava em forma de raios celestes, e acendia o fogo de nossos corações.
E a noite era realmente escura, e do escuro saiam a passear nossas assombrações, o Vovô Chiquim, com suas mãos esqueléticas gigantes suas unhas pontiagudas, a nos tocar as costas,e assim atravessávamos o quintal correndo esbaforidos.
A Vovó Lidia vestida de marrom com um terço fluorescente nas pequenas mãos,e um olhar doce,mas que também nos fazia correr, o Tio Cesár, o Té com seu cabelo branco tipo escovinha, o olhar enigmático e apaixonado por nós seus sobrinhos,já que a Tia Maria do Carmo era seca,segundo a mamãe e não lhe deu filhos, que também nos fazia correr noite adentro.
Os coqueiros se transformavam em grandes monstros de pernas longas e finas, pareciam saídos de nossa Enciclopédia que mostrava quadros dum tal Dalí . As árvores nos engoliam e nos prendiam em seus troncos largos espessos e crespos, e não adiantava gritar os adultos não ouviam, mesmo que estivessem namorando ao pé das arvores ou apenas reunidos a fazer serenata .
Bem que a mamãe falou ...
Não vão no quintal !
Mas os quatro caçulas iam mesmo, e numa noite mais escura ainda, uma luz que mais parecia um cometa, mostrou a face do Vovô Deodato, seus olhos azuis reluziam e não nos assombramos, contemplamos aquele sonho.
Amanheceu, a mamãe soube do ocorrido, não nos assombramos, não tivemos medo.
Claro , era o papai !
Assim falou mamãe.
Então nos crescemos, e agora sabemos que era a mamãe que nos assombrava, com o que ela pensava que era nosso Vovô Chiquim, Vovó Lídia era uma Santa, e o Té fino,educado,e muito amável...
Realmente nosso terror sempre foi a mamãe.
E a sua presença nunca se esvai, daquele encantado e bem assombrado quintal encantado ...

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Não ouviram a voz do povo.
Eles tinham ouvidos de mercador.
E seria derrubado o boi marruás.
Ao crepúsculo juntaram marretas
em mãos de soldados mandados.
E o anoitecer veio cheio de lamentos, e de lá o boi olhava
aqueles pobres homens endiabrados.
E aos poucos aquela edificação, sem nenhuma função foi sendo
marretado, trucidado, ceifado.
O boi caiu ao chão, diante de olhos incrédulos do povo pacato, do pacato povo,
uns riam outros choravam...
Tem nada não, de lá o boi não sairá,
metafisicamente ele sempre estará lá.
E doravante ouvirão seu mugido de dor,
a cada aurora ele silenciará, paralelos,
transeuntes e carros tomarão o seu lugar, mas de lá ele não sairá,
e uma nova lenda se criará.
Ao crepúsculo ele surgirá, e no anoitecer vai mugir,
até fazer um vivente gelar, as bancas estarão cheias de carne fresca e vermelha,
os magarefes com suas facas afiadas,
um entra e sai de gente que já se foi,
o tilintar de moedas antigas passando de mão em mão,
num dia tórrido de verão.
Quem viveu e viu, para sempre verá o antigo açougue naquela rua oca,
antes um beco febril, animado e apertado,
será um
lugar largo
e sinistramente
mal assombrado.

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Mamãe amanheci pensando em ti,
pensando no tempo em que eu era só uma pequena menina, entranhada naquele meu mundo pueril.
Puta que pariu !
A senhora dizia toda vez que paria uma filha.
Dos seus quatorze rebentos, cinco vieram com defeito...
Nasceram meninas.
Mas lá no seu mundo androcêntrico, a senhora era feliz, e foi assim que criamos nossa raiz.
Lá naquele lugar encantado, fui a criança mais feliz, crescendo entre cajueiros e azeitoneiras, bebia água de côco todo dia, comia canapu, sapoti roubado na casa da vizinha, era de aço nossa bicicletinha.
E lá na cozinha se completava aquele ciclo dourado, café torrado, cuscuz caprichado, o ovo era estalado, Raquel sempre chorava pelo leite derramado, pois ela tinha que limpar o estrago, mesa farta de comida e muita fartura de lindos e robustos meninos, eles eram sempre os preferidos.
Édipos e Jocasta.
Enquanto isso ela nos castrava, o cuidado e a vigilância sobre nós era dobrado, em casa, na rua, na escola, e até na Santa Missa.
Nossa missão, era sempre obedecer.
E sermos sempre prendadas e boas meninas, e assim foi, o tempo veio, o tempo girou e o tempo nos transformou em gigantes meninas, não foi triste nossa sina.
Hoje compreendo que a Maria, só queria fortalecer suas meninas, tornar-nos fortes fortes mulheres, e hoje somos quase assim que nem ela.
Puta que pariu !
A mamãe já partiu.
E eu que nutria por minha mãe megera um ódio secreto e pueril, nunca revelado, hoje me orgulho ter sido criada á mão de ferro.
Pois não medo nem do Cão, minha força vem do orgulho de ter nascido filha daquela Maria.
Se pudesse fazer o relógio parar, para seu útero voltaria, e tudo de novo sofreria, e minha sina seguiria, queria as mesmas surras, os mesmos gritos, os beliscões secretos na casa das comadres, a vigilância, a arrogância nas ordens, o olhar que me derrubava ao chão, e assim seria feliz meu coração.
Vou te procurar em meus sonhos, vou te espiar escondido daqui, e ver que o céu é agora teu lugar, quem sabe quando eu me for, e se puder lá entrar eu vou em teu colo me aconchegar...