sábado, 27 de julho de 2019

Ser uma moça de família lá no Ceará dava trabalho, e quando essa moça tinha oito irmãos,aí sim piorava o X da questão, sempre tinha aquela vigilância... Ou melhor dizendo aquele cuidado.
Lá no Benfica o Sol insistia em nos acordar cedo demais,logo já eram seis horas da madrugada, o som dos pneus no asfalto da Carapinima faziam menos barulho que as alpercatas do papai, pra lá e pra cá, o tilintar das panelas láááá na cozinha, de vez em quando caía uma tampa de panela no chão, Ah quase ia esquecendo, a mamãe tinha uma leiteira que não derramava o leite, a leiteira apitava, piiiiiiiiiiiiiiiiiiii, a rapaziada saltava das redes, as moças saiam das redes lânguidamente, e nós os pirralhos éramos simplesmente derrubados, ACORDA...
E a lida diária começava, todos aos seus caminhos, as moças normalistas com suas saias grená, blusas brancas e meias 3/4 seguiam para o Justiniano de Serpa, pegavam seu ônibus ali na frente da Motoclínica que ficava na avenida da Universidade com Padre Cícero, seguiam em linha reta, desciam na Praça José de Alencar, pegavam a Guilherme Rocha, e na esquina do Excelsior Hotel o vento fazia um grande favor aos rapazes que seguiam para o Colégio Militar de Fortaleza, levantava a saia grená de listras brancas e paralelas,deixando suas faces rubras de rosa, uma sensação para os galanteadores sortudos. 
As normalistas eram lindas, moças prendadas que já possuíam suas paixões guardadas no coração, e no colégio que formava professoras, muitos corações enamorados, num colégio só para moças, ouviam-se muitos suspiros.
Aquela que tinha a sorte de namorar e noivar, tinha o árduo desafio de bordar o enxoval, exigência da mãe e das tias, e o tempo livre era dedicado às linhas, agulhas, etamines, cambraias, tecido de puro linho um ponto, um nó, outro ponto, e de suas mãos surgiam o encanto, o bordado pronto, ia pra bacia,água limpinha, sabão Pavão de côco, eram mergulhados num mingau feito de goma, estendido no varal e depois de secos um ferro à brasa com gotas de patchouli, abrilhantava os lençois com monogramas, toalhas de mesas temáticas de natal, páscoa, São João, panos de pratos, estolas, enxoval pra noivo nenhum botar defeito.
E assim elas cumpriam o seu ritual, e todas as moças daquela casa casaram, e o ritmo seguia, para cada uma que se apaixonasse não tinha como escapar de virar uma bordadeira cearense, e naquele tempo as serestas surgiam ao anoitecer, violão à luz da Lua, ali no meio da rua, em plena Carapinima, os rapazes cantavam suas melodias para as meninas.
Um dia um rapaz apaixonado pela mais velha cantou Always in my hearth, o marmanjo cantou em inglês, até o papai apreciou,e a Lua brilhou mais dourada naquela noite, lá dentro de casa as moças inebriadas com a audácia e astúcia do jovem e belo oficial, aliás aspirante, que também aspirava casar-se com a mais bonita.
E tudo silenciava para ouvir aquela canção de amor, até as lâmpadas dos postes ficavam a meia luz, para não ofuscar o brilho da Lua, a harmonia da rua, a brisa vinha suave, o amor fluía e invadia tudo e todos sentiam o prazer de viver nos bons tempos de outrora, os rapazes se retiravam quase ao amanhecer da aurora.
Mas o tempo veio, soprou pra longe aquela moça de longos cabelos dourados, foi estudar na melhor universidade longe dali,e aquele fado encantado ecoa em suas lembranças, dos bons tempos de menina moça, cheia de encanto e esperança, tudo acontecia ali bem pertinho, lá na Carapinima...

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Alguém que já sentou na lua.