sábado, 27 de julho de 2019

Nos tempos de criança, éramos treze, de uma prole de quatorze filhos e filhas do Seu Brasil e da Dona Maria Justa, lá na Carapinima.
Hoje adulta descobri como a mamãe, pode criar tantos meninos e meninas.
De manhã papai saía pela casa a arrastar sua alpercatas, para nos acordar, eram quinze redes espalhadas por ordem de hierarquia, e ao levantar tínhamos que enrolar as redes, para nossos anjos da guarda levantarem também junto conosco.
A correria ao banheiro era grande, e também existia a separação de classes, primeiro as moças, depois os rapazes, e por último nós os pirralhos...
Enquanto havia uma grande algaravia entre nós, lá da cozinha, os cheiros que nos encantava tomava conta da casa, da rua, da vizinhança, uma toalha de Ana ruga vermelha cobria a grande mesa, café leite, pão, cuscuz, mingau de carimã, e o horrível e obrigatório mastruz com leite,eeeeeca, se quissésemos, morrer era só não beber...
E todos seguiam seus destinos, e o meio dia passava rápido, e de novo o mesmo alvoroço no almoço, depois fazer as tarefas da escola, e as de casa, era muita coisa pra arrumar, os homens varriam o imenso quintal, as moças lavavam as roupas, muita água, sabão e um imenso e psicodélico varal, a farda do primogênito tinha um lugar especial, secava á sombra do bambuzal.
E ás cinco da tarde todos á postos sob o comando do artista da casa o Reinaldo, sungas, maiôs olímpicos, toalhas na mochila, saímos pela Avenida da Universidade, pelo fundo do nosso encantado quintal, pulávamos a calçada do Mira e Lopes, ordem da mamãe, senão os doidos podiam nos puxar lá pra dentro. E ai pioraria a situação deles, pois loucos éramos nós...
Nos benzíamos em frente a igreja de Nossa Senhora dos Remédios.
Quebrávamos á esquerda na Reitoria, e seguíamos em fila indiana pela Treze de Maio, um brincava dali, outros corriam deixando os pequenos por último, e esperavam na esquina da Concha Acústica com a rua Nossa Senhora dos Remédios, e faziam RÁÁ, susto da porra, ai que ódio...
Antigamente as pessoas eram de bem.
Hoje são de bens !
O padeiro deixava o pão nos muros que eram seguramente baixos, e o leiteiro fazia o mesmo ritual, e no muro ficava até o jornal.
E assim seguíamos, em frente, Praça da Gentilândia, EscolaTécnica Federal do Ceará, pegávamos a calçada do Touring Club, e andávamos em paralelo ao 23 BC, e dobravámos para o Maguary.
Cujo Diretor era o meu padrinho o homem mais lindo de Fortaleza, Oscar carioca Alencar.
A bença meu padrinho !
Deus te abençoe, Cumade Cirninha.
E pulávamos na piscina para treinar até as oito horas da noite, sem parar pra descanso, e suávamos dentro d'água.
Depois de volta pra casa, moídos, cansados e famintos, a fila ia se arrastando de volta, ai Meu Deus, como nossa casa ali pertinho, tinha ficado lá longe...
Voltando ás avessas, Touring Club, Escola Técnica Federal,Pracinha da Gentilândia, e um quarteirão razoavelmente pequeno, e naquela casa de esquina de muro baixo, um pacote de pão da Panificadora Ideal, duas garrafas de vidro com leite, o Jornal O Povo,e o Tribuna do Ceará, ali no muro intactos, desde a hora em que fomos pro Maguary...
Nos olhamos assim ressabiados, e embebidos em nossa fome, viramos inocentes jovens meliantes.
Vão na frente, corram e me esperem na outra esquina.
Falou o Reinaldo !
E assim fizemos, corremos...
E lá vem ele com pão, leite, e muita informação, no caso dos jornais.
Sentamos no gramado da Reitoria e degustamos a prova do nosso crime corporativo.
Bora negada !
E no caminho de casa, um lembrete, um lembrete de vida ou morte !
Segredo de Estado.
Se descobrirem nossa subversão, o Willame vai ser expulso do Colégio Militar de Fortaleza...
E nós banidos para o Paulo Sarasate.
E se a mamãe descobrir, vamos juntos pro inferno.
E hoje completam-se quarenta e sete anos de nossa doce vida de bons delinquentes mirins.
Essa era a minha Antiga Fortaleza.
Minha Fortaleza Antiga...
Adriana Noronha

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Alguém que já sentou na lua.