Mamãe amanheci pensando em ti,
pensando no tempo em que eu era só uma pequena menina, entranhada naquele meu mundo pueril.
Puta que pariu !
A senhora dizia toda vez que paria uma filha.
Dos seus quatorze rebentos, cinco vieram com defeito...
Nasceram meninas.
Mas lá no seu mundo androcêntrico, a senhora era feliz, e foi assim que criamos nossa raiz.
Lá naquele lugar encantado, fui a criança mais feliz, crescendo entre cajueiros e azeitoneiras, bebia água de côco todo dia, comia canapu, sapoti roubado na casa da vizinha, era de aço nossa bicicletinha.
E lá na cozinha se completava aquele ciclo dourado, café torrado, cuscuz caprichado, o ovo era estalado, Raquel sempre chorava pelo leite derramado, pois ela tinha que limpar o estrago, mesa farta de comida e muita fartura de lindos e robustos meninos, eles eram sempre os preferidos.
Édipos e Jocasta.
Enquanto isso ela nos castrava, o cuidado e a vigilância sobre nós era dobrado, em casa, na rua, na escola, e até na Santa Missa.
Nossa missão, era sempre obedecer.
E sermos sempre prendadas e boas meninas, e assim foi, o tempo veio, o tempo girou e o tempo nos transformou em gigantes meninas, não foi triste nossa sina.
Hoje compreendo que a Maria, só queria fortalecer suas meninas, tornar-nos fortes fortes mulheres, e hoje somos quase assim que nem ela.
Puta que pariu !
A mamãe já partiu.
E eu que nutria por minha mãe megera um ódio secreto e pueril, nunca revelado, hoje me orgulho ter sido criada á mão de ferro.
Pois não medo nem do Cão, minha força vem do orgulho de ter nascido filha daquela Maria.
Se pudesse fazer o relógio parar, para seu útero voltaria, e tudo de novo sofreria, e minha sina seguiria, queria as mesmas surras, os mesmos gritos, os beliscões secretos na casa das comadres, a vigilância, a arrogância nas ordens, o olhar que me derrubava ao chão, e assim seria feliz meu coração.
Vou te procurar em meus sonhos, vou te espiar escondido daqui, e ver que o céu é agora teu lugar, quem sabe quando eu me for, e se puder lá entrar eu vou em teu colo me aconchegar...
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Alguém que já sentou na lua.